Imagine o leitor a seguinte situação:
Um avião de passageiros, estacionado junto a uma plataforma de embarque, acabando de preencher os seus lugares e preparando-se para iniciar os procedimentos de partida.
Antes disso, porém, aparece uma hospedeira que, após a saudação habitual de boas vindas a bordo, dirige aos passageiros as seguintes palavras:
“.. e como nesta época de igualdade e democracia é inconcebível que o comando da aeronave seja privilégio exclusivo de uma elite minoritária, vamos agora participar todos na eleição do piloto”.
Qual seria a sua reacção, se ouvisse uma coisa destas antes de iniciar uma viagem aérea?...
Imagine outra situação:
Uma sala com alunos à espera do professor para dar início à aula. Em lugar de professor, entretanto, aparece alguém que dirige estas palavras aos presentes:
“Entre ensinar e ser ensinado, há uma distinção injusta que coloca o professor numa posição de superioridade e os alunos numa posição de inferioridade. É preciso acabar com essa diferença! E como todos somos cidadãos iguais em direitos, essa posição de superioridade também deve ser posta ao nosso alcance. Em cada aula, vamos, pois, eleger um professor, para dar a todos a oportunidade de disfrutar dos privilégios docentes!
Conhece alguma Escola ou algum Curso que tenha adoptado este sistema e que com ele tenha conseguido sobreviver?
Imagine ainda mais uma situação:
Um estádio de futebol em dia de jogo. Em campo, alinham-se as equipas adversárias com jogadores e suplentes. Nada de árbitros!
De onde vem esse arrogante direito de fiscalizar as regras do jogo, sem ter previamente consultado os donos do próprio jogo? Que espécie de imposição vem a ser essa?
Para acabar com essa injustiça, desta vez serão os jogadores a eleger o seu árbitro!...
Como decorreria um jogo de futebol em que o árbitro fosse proveniente de uma das equipas em disputa?
É claro que todas estas situações são absurdas. São tão absurdas que nem nos passa pela cabeça.
De facto, há posições que não se discutem. E isso acontece nos mais variados aspectos da vida quotidiana: na profissão, no trabalho, no desporto, etc., etc.. Toda a gente compreende perfeitamente que certos cargos não podem ser disputados porque carregam uma grande responsabilidade, porque pedem uma preparação especial, porque requerem determinadas aptidões e qualidades, etc..
Até podemos não gostar do nosso piloto, do nosso professor ou do nosso árbitro, mas todos estamos certamente de acordo em que é preferível antipatizar com tais indivíduos do que entregarmos a nossa sorte a um passageiro ignorante ou a um incompetente pseudo-professor; ou pagarmos bilhete para assistir a um jogo duvidoso, fiscalizado por um árbitro comprometido.
Então, se assim é, por que havemos de deixar ao acaso aquilo que de mais importante existe na vida da Nação (e nas nossas vidas)? Se assim é, como podemos permitir que a Chefia do Estado seja periodicamente posta em leilão, viciada por grandes meios de Comunicação Social e entregue a uma pessoa escolhida entre três ou quatro, tiradas das fileiras de um partido, mas praticamente desconhecida do grande público?
Quando viajamos de avião, ficamos tranquilos se nos disserem que estamos entregues a um piloto experiente. Quando assistimos a uma aula, ficamos edificados e satisfeitos se verificarmos que o professor é competente. Quando assistimos a um desafio de futebol, ficamos mais pacificados se soubermos que o árbitro tem reputação de imparcialidade.
Mas quando somos chamados a opinar sobre os destinos do país (e indirectamente de cada um de nós!), lá vamos todos de embrulhada no carnaval republicano que antecede a eleição para a Chefia do Estado. Lá vamos nós dar o nosso voto ao candidato que nos parece menos mau. Lá vamos nós abir um pouco mais a chaga da Nação dividida por uma disputa tão surpreendente como a escolha do piloto, do professor ou do árbitro.
Não seria melhor que a Chefia do Estado fosse entregue a alguém especificamente preparado para tal, como é um Príncipe desde a sua infância?
Não seria melhor que a Chefia do Estado permanecesse acima de todas as eleições ou disputas, para evitar a cobiça do Poder, o clima de guerra civil entre partidos e facções, a demagogia e a manipulação das massas em dispendiosas, barulhentas, vazias e carnavalescas campanhas eleitorais?
Em vez de se entregar a Chefia do Estado a um político de ocasião, comprometido com as forças (e com os dinheiros...) que o elegeram, destinado a abandonar o cargo ao fim de um ou dois mandatos, não seria melhor entregá-la a um Poder estável e duradouro, imparcial e independente, a um homem verdadeiramente identificado com a Nação por uma longa e gloriosa História de serviços a ela prestados?
É claro que sim! ...”exactamente porque os Reis não são criaturas da vontade dos gupos, é que podem ser objecto do amor de todos; porque a origem da autoridade real é o nascimento, toda a Nação pode amar o Príncipe como a família ama a criança nascida no seu seio; e assim, se de algum modo o Rei é o pai do seu Povo, também de algum modo é filho do seu Povo. Só em Monarquia esta interrelação é possível. Em República o Chefe de Estado aparece em estado adulto e é em vida que normalmente desaparece. Gerado, como Chefe, pela mecânica constitucional e por ela morto, não é conatural aos homens e à Nação. Assim lhe pode competir o nome de Chefe de Estado, mas nunca o de Chefe da Nação.
(*) Henrique Barrilaro Ruas, “A Liberdade e o Rei”, Lisboa, 1971, págs. 149-150.
2 comentários:
Adorei as comparações! Vou copiar... Bjs
Andei à procura deste óptimo texto do nosso saudoso Prof. Barrilaro Ruas há que tempos e encontrei-o ontem.
Bjs
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