O Núcleo do Sul do Tejo da Real Associação de Lisboa, vai promover no próximo dia 10 de Setembro, pelas 15 horas, a bordo da fragata D. Fernando II e Glória, na doca nº 2 de Cacilhas, uma justíssima homenagem à última neta do Rei Dom Miguel I, Infanta Dona Maria Adelaide de Bragança, que viveu na Trafaria toda a sua vida em Portugal e aí faleceu com 100 anos em 2012. Falarão sobre vários aspectos da sua vida e obra social o Rev. Padre Pedro Quintela e a sua biógrafa, escritora Raquel Ochoa.
Nascida no exílio em 31 de Janeiro de 1912, viveu a sua infância e juventude no Castelo de Seebenstein, na Áustria com seus pais e irmãos, filha de Dom Miguel (II) de Bragança e em 1949, já casada com o Doutor Nicolaas van Uden, veio viver para Portugal. A primeira parte da sua vida foi uma aventura permanente, com o que sofreu, até a fome durante a I Guerra Mundial e a sua prisão durante a II Grande Guerra, pela Gestapo nazi e depois pelos soviéticos, pela sua participação como militante católica na Resistência ao regime de Hitler, tendo-se salvo pela interferência do Presidente do Conselho português, Doutor Oliveira Salazar, que não admitiu que uma Infanta portuguesa fosse presa e pelas autoridades do exército soviético, quando deveria ser enviada para a Sibéria, ao descobrirem que ajudara a salvar um comunista austríaco. Em Portugal dedicou-se á Fundação D. Nuno Álvares Pereira, por si criada, para apoio às mães pobres e filhos abandonados da margem sul, especialmente da Trafaria. Vivendo em Portugal durante o Estado Novo, actuando na área social e vendo a miséria e as injustiças, eram conhecidas as suas posições críticas. Se estava grata a Salazar pelo apoio que lhe dera quando presa pelo nazismo e pela obra financeira que levara a cabo, discordava dos métodos do regime para a obter e de muitos aspectos das suas políticas. Sendo irmã do Chefe da Casa Real, Dom Duarte Nuno de Bragança que sempre apoiou, nunca quis ter uma acção política, não deixando, no entanto, de participar em actividades monárquicas e de dar o seu apoio a muitos monárquicos nas suas acções a favor da restauração da Monarquia.
Tive o privilégio de conhecer e privar com a Senhora Infanta Dona Maria Adelaide desde os anos 60 do século passado, quando dirigente da Comissão de Juventude da Causa Monárquica. Já a tinha cumprimentado em S. Marcos, no palácio residência do Senhor Dom Duarte Nuno, num 1º de Dezembro, mas foi no Centro Popular de Cultura, que tinha sede no andar da direcção do jornal “O Debate”, a S. Pedro de Alcântara, que se iniciou uma maior proximidade. Tinha sido convidado para falar sobre o Integralismo Lusitano, numa sessão evocativa. A Senhora Infanta fora convidada a assistir e eu, jovem de 16 ou 17 anos, estava nervoso e, de alguma maneira temeroso, com a ousadia de falar em público sobre o tema. No final a Senhora Dona Maria Adelaide felicitou-me e perguntando para onde ia a seguir convidou-me para a acompanhar. Para grande espanto meu dirigiu-se para a paragem do eléctrico que a levaria ao Cais do Sodré, para depois apanhar o barco para a Trafaria. E fomos conversando: sobre as actividades da juventude monárquica, sobre o que eu pensava da política em geral, sobre mim, as minhas convicções, os meus interesses, os meus estudos, outras actividades para além da política. E não posso deixar de relatar - e talvez não esteja a ser “politicamente correcto” – um episódio que muito me divertiu e, de alguma forma, é demonstrativo da forma de estar da Senhora Infanta. Seguiu a Senhora Infanta uma senhora da aristocracia que entendia que uma princesa de Portugal não podia andar sem uma dama de companhia e quando entrámos no eléctrico fê-lo também e sentou-se atrás de nós. Quando estávamos a chegar à Praça Luís de Camões, onde eu sairia, levantou-se fazendo-me sinal para a seguir. E quando houve um abrandamento de velocidade, saltou em andamento, no que a acompanhei, deixando a perplexa senhora seguir viagem. Já no passeio explicou-me que não queria ser acompanhada por ninguém e que já não era a primeira vez que aquela senhora tentava impor-se, ainda que fosse com a melhor das intenções.
Passei a ter com a Senhora Dona Maria Adelaide uma relação muito próxima e mais tarde com os seus filhos e o Doutor van Uden, frequentando a sua casa, acompanhando-a em várias ocasiões – conheci por seu intermédio a Senhora Infanta Dona Filipa que me dispensou uma imensa simpatia e várias pessoas importantes do movimento monárquico e privei mais de perto com o Senhor Dom Duarte Nuno, a Senhora Dona Maria Francisca e o Senhor Dom Duarte Pio – conversando pessoalmente ou pelo telefone (amiudadas vezes ligava para minha casa e se eu não estava conversava com a minha mãe, passando a tratar-me pelos meus nomes próprios como ela fazia) E refiro também outro episódio que Raquel Ochoa inclui na sua biografia: ligou uma vez perto da hora do almoço e a criada veio-o chamar-me com os olhos arregalados. “menino, disse ela, está ao telefone a Santa Maria Adelaide” Dei uma gargalhada e percebi o erro: a senhora Infanta fazia-se sempre anunciar como Infanta Maria Adelaide. Não era só a política que a aproximava de mim, mas também a minha actividade num bairro social e como monitor de colónias de férias para crianças dos bairros pobres de Lisboa. Sendo de uma simplicidade inimaginável e sempre acessível a toda a gente que acolhia com um largo sorriso e palavras agradáveis, nunca deixava que não a tratassem como Infanta de Portugal que era.
Voltei a acompanhá-la mais nos seus últimos anos em que frequentemente me convidava para almoçar em sua casa e pude comprovar a lucidez que manteve sempre, o seu interesse pelo que se passava em Portugal e no mundo, a sua inquebrantável Fé, o seu desprendimento das mundanidades e o seu amor pela família e por todos quantos precisavam de ajuda, financeira ou espiritual.
Estas são algumas memórias que guardo (mas guardo para mim muitas mais) e guardo a sua memória como uma dádiva que me ajudou a ser, como pessoa e como cristão, uma outra pessoa. Esta, também, a minha homenagem.