Depois de quase meio século de abandono e de ter atingido um estado de incúria e desleixo que o levou a pré-ruína, foi finalmente recuperado o Palácio Real da Cidadela de Cascais.
O edifício, originalmente mero aposento integrado no aquartelamento militar que ocupava a Cidadela, foi adaptado a Palácio Real em 1870 quando o Rei Dom Luís I e a Rainha Dona Maria Pia escolheram Cascais como estância de veraneio. Do final do Verão e até meados do Outono, a Casa Real Portuguesa e os membros da corte instalavam-se em Cascais para vir a banhos e, no caso específico do Rei, para que ele pudesse usufruir de forma sentida da paisagem marítima de Cascais.
Embora sem grande importância arquitectónica, contrastando, aliás, com o fausto de alguns dos palacetes construídos em Cascais por membros da Corte, o Palácio Real da Cidadela é uma das mais importantes e significantes peças do património histórico desta Vila piscatória. Depois da chegada da Família Real, e até final do regime monárquico, em 1910, Cascais foi completamente transformada naquilo que ainda é hoje. Os laivos da pequena e desinteressante aldeia destituída de motivos de interesse e sobre a qual corria o ditado “A Cascais uma vez e nunca mais”, transformaram-se numa das mais requintadas, cosmopolitas e extraordinárias terras de Portugal, levando a que o dito popular se transformasse numa coisa completamente diferente “A Cascais uma vez e muitas mais!”.
As obras de recuperação que agora terminaram, exigidas pelo povo de Cascais desde há muitas décadas, deveriam ser uma boa notícia nestes tempos turbulentos que atravessamos. Mas não são.
Não são, porque apesar de ser unânime que a vocação de Cascais é o turismo, e que para fomentar a excelência nessa área é essencial que a região possua equipamentos de diversas índoles que sirvam de atractivo para uma visita, o Palácio Real de Cascais vai continuar a estar sob a tutela da presidência da república e, na prática, inacessível aos Cascalenses.
Apesar de ter servido pontualmente de residência de alguns presidentes da república, o Palácio Real da Cidadela de Cascais nasceu e afirmou-se (fazendo nascer e afirmar a própria estância turística de Cascais) sob a alçada do enorme amor dos Reis Dom Luís e Dom Carlos ao mar e à Baía de Cascais. Foi, dessa maneira, o cerne da modernização que estes Monarcas trouxeram ao País, ali se centrando muito do pensamento científico e cultural do Portugal contemporâneo. É por isso, aliás, que a designação oficial do edifício é “Palácio Real” e não palácio presidencial…
O acto de manter o Palácio Real da Cidadela sob a alçada da presidência da república, numa altura em que Cascais necessita de um espaço que possa funcionar como local de excelência para a realização de grande parte das acções de charme que estão por detrás da captação para a Região do Estoril dos grandes eventos que alavancam a afirmação deste espaço como destino de excelência na Europa, é um contra-senso total e absoluto pois priva o município de poder potenciar a sua vocação essencial. Depois, em termos da afirmação da Identidade Municipal, é também um contra-senso, numa altura em que o vínculo das comunidades locais aos espaços onde habitam é condição fundamental para a criação dos laços de cidadania da qual depende a superação das dificuldades que actualmente atravessamos.
O Palácio Real da Cidadela de Cascais é o cadinho no qual nasceu, cresceu e se impôs o Cascais que hoje conhecemos e, como tal, deveria estar acessível, de forma livre e incondicional, para que os Cascalenses de todas as idades o pudessem ver, conhecer, sentir e tocar.
Só assim, libertando-se este edifício do jugo imposto legalmente pelas vicissitudes históricas que constrangeram Portugal em 1910, se poderá fazer jus à grata memória que Cascais mantém relativamente ao que lhe trouxe a Monarquia e, dessa maneira, se poderá cumprir a vontade reiteradamente expressa pelo Rei Dom Carlos de que a estadia da Corte em Cascais fosse sinónimo de desenvolvimento e qualificação da vida dos Cascalenses.
O Palácio Real da Cidadela deve ser devolvido aos Cascalenses. Até porque, como dizia o Rei Dom Carlos: “Cascais é a terra onde o povo é mais nobre e na qual a nobreza é mais popular!”