Uma crise política em cima de uma crise financeira poderá empurrar-nos, sem dúvida, para uma crise económica. Saltitando de crise em crise, os nossos políticos, a coberto da sua irresponsabilidade, preparam-se para atacar o que puderem até ficarmos sem nada. Sem tostões, já se sabe, necessários que são para tapar os buracos de milhões que foram semeando. Mas não seremos apenas esportulados dos nossos cabedais. Esta néscia prodigalidade de aventureiros e mentirosos acabará por levar-nos também a esperança e a honra. A esperança, como se diz, é a última a morrer, mas ninguém alguma vez sustentou a sua imortalidade.
Sem honra nem esperança, lá voltaremos ao estado de indigência a que julgávamos não ter de tornar. Hoje, mais do que nunca, está em causa a própria independência de Portugal. Não falo de um conceito clássico ou formal de independência. Abolidas de certo modo as fronteiras (que as tínhamos bem traçadas desde 1249), a noção de independência como que se transmutou. Aconteceu com a soberania o que se passou com a cerveja. Hoje, a nossa independência é, por decorrência de tratados a que o povo português é alheio, mera cerveja sem álcool.
Não quero com esta conclusão questionar o que considero positivo aprofundamento europeu. Quero apenas significar que hoje, e muito por causa desse aprofundamento, as armas que temos para nos defendermos da adversidade da conjuntura são em menor número e com muito mais escasso poder de fogo. Falo, lembro, de independência. Falo da capacidade de regermos, sempre orientados pelo bem comum, o nosso destino colectivo. Acocorados diante dos nossos credores, enganados pelos nossos decisores e esganados pelos nossos prometidos salvadores, seremos tragados em menos de um fósforo.
Penso que só evitaremos este novo Alcácer Quibir se lutarmos, com o que temos, pela nossa independência. Falo, repito, de independência. A identidade, essa marca que nos torna a nós portugueses, para o bem e para o mal, tão diferentes dos outros povos, ninguém a pode alienar. É nossa e inalienável.
Resta-nos, pois, resistir. Neste tórrido deserto em que nos puseram temos de saber reagir. Sobre estas novas areias marroquinas, não podemos usar outras que não sejam as armas que ainda nos restam. A fé e a verdade que enfunaram as nossas velas. A sabedoria e a coragem que nos levaram à Índia. O engenho e a arte que nos fizeram poetas. O orgulho e a diversidade que talharam a lusofonia. São estes os nossos mais preciosos activos. À ameaça dos tostões temos de responder com a força e a determinação dos nossos indómitos corações. Com genuína vontade de varrermos a imundície com que somos confrontados e tomarmos as rédeas do nosso destino. Falam-nos da severidade dos credores. Falemos antes da benignidade dos nossos valores. Os valores de ontem que são também os de sempre. Restauremos a honra da nação. Resgatemos a dignidade do Estado. “Se Deus quiser, há-de brilhar de novo a Coroa sobre as Lusas armas” (Fernando Tavares Rodrigues).
Nuno Pombo*
* Nota: o texto publicado é da exclusiva responsabilidade do autor.
Texto publicado no Diário Digital a 22-Mar-2011
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