segunda-feira, 5 de abril de 2010

S.A.R., DOM DUARTE DE BRAGANÇA ESCREVE A MARCELO CAETANO (3 DE SET. 1973)
«Meu caro Prof. Doutor Marcello Caetano:
Antes da ida de Vossa Excelência a Londres, eu pedira ao Dr. Pedro Feytor Pinto o favor de lhe perguntar a vossa opinião sobre a oportunidade de ser apresentada em Angola uma segunda lista de candidatos nas próximas eleições para deputados à Assembleia Nacional.
O Dr. Feytor Pinto, ao regressar de Londres disse-me que o assunto deveria ser tratado em Luanda e por isso para lá me dirigi, depois de ter pedido aos meus amigos Coronel Herculano de Carvalho e Dr. Joaquim Santos Silva que estudassem, com o necessário sigilo, a viabilidade prática de tal projecto.
Quando cheguei a Luanda (...) fomos explicar o projecto e ouvir a opinião do Dr. Alcarva, Director-Geral de Segurança em Angola. (...) francamente positiva, como aliás tinham sido as opiniões (...) de numerosas personalidades (...) Embaixadores, Governadores de Distrito (...) presidente provincial da ANP.
Em seguida pedimos audiência ao Senhor Secretário-Geral do Governo de Angola, sem que tal se viesse a efectivar (...).
(...) quando regressei a Angola (...) a DGS informou-me de que por motivos de segurança, eu tinha de embarcar para Lisboa, nessa mesma noite.
As poucas vezes que o Governo tem expulso um cidadão nacional de uma das provincias, têm sido justificadas por actos que põem gravemente em perigo a segurança nacional.
Não posso aceitar de maneira alguma uma situação como esta que põe em jogo a minha honra e a de toda a minha família.
A acusação implicita neste facto é tanto mais injusta quanto o meu irmão Miguel, o meu primo Francisco e eu arriscámos a nossa vida em zonas operacionais, na defesa da unidade nacional. Muitas outras vezes me desloquei a Angola e a outros territórios ultramarinos com o objectivo de estudar mais de perto as suas peculiaridades e interesses, pondo de parte comodidades e riscos conscientemente aceites, como qualquer outro cidadão que ama e serve a sua Pátria.
E no que se refere aos vários grupos de monárquicos, mais ou menos irrequietos, jamais poderão constituir ameaça à segurança nacional (...).
(...) quanto menos compreensiva for a Admimistração Pública para com esses grupos, mais agressivos eles se tornarão, ao sentirem-se privados da justiça e do uso legítimo da liberdade. Não será difícil compreender que a Lista B seria constituida por portugueses de palavra que nunca dificultariam a acção do Governo em ordem ao progresso e bem-estar das populações.
Aliás, da vitória em Angola de deputados da oposição adviriam vantagens de ordem internacional (...).
Espero que Vossa Excelência compreenda o meu sentimento de desgosto e de repúdio perante a hipótese de me ser atribuído qualquer acto que pudesse ser considerado perigoso para os interesses nacionais e aguardo as providências (...) no sentido de (...) me ser garantido o pleno exercício dos direitos que a Constituição me assegura como cidadão português, nomeadamente o direito de circular livremente em todo o território nacional. (...)
Dom Duarte Pio João
Princípe da Beira»
in «Cartas Particulares a Marcello Caetano» (prefácio e organização de José Freire Antunes), 1º vol., Publicações D. Quixote, pag. 238
Publicado por João Afonso Machado em Segunda-feira, Abril 05, 2010

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