terça-feira, 13 de abril de 2010

OS PORTUGUESES SABEM POUCO SOBRE DONA AMÉLIA
Depois de escrever sobre Filipa de Lencastre e Catarina de Bragança, a jornalista e escritora, mas também detective, psicólogo e historiador, Isabel Stilwell regressa a uma das personagens mais marcantes da História de Portugal. Editado pela Esfera dos Livros, D. Amélia apresenta uma Rainha de certo modo incompreendida ainda hoje pelos portugueses. Talvez agora não seja. Isabel Stilwell confessa que também ela não conhecia D. Amélia, mas isso não significava que a personagem não era interessante, ainda mais porque este ano é comemorado o centenário da República, com a Rainha a ser obrigada a abandonar o país. A escritora defende que a sua obra tem muito de biografia e pouco de ficção, o que valoriza ainda mais aos interessados pelo assunto, mas também aos que gostam de um bom livro de história, pois Stilwell acredita que D. Amélia pode ser lido de um fôlego, mesmo com quase 600 páginas, tudo porque nas suas páginas há vida. Mas também morte, como aconteceu com o filho mais velho, o Príncipe herdeiro D. Luís Filipe, o facto mais trágico da vida da última rainha de Portugal.
Porque decidiu escrever um livro sobre D. Amélia?
Depois de Filipa de Lencastre e Catarina de Bragança escrever romances históricos tornou-se um vício. É ser jornalista, detective, psicólogo, historiador. Mas é preciso que o personagem motive, me dê vontade de o descobrir, e a última Rainha de Portugal tinha todos os ingredientes para suscitar a minha curiosidade. A que acrescia o facto de estarmos em 2010, o ano em que foi obrigada ao exílio pela implantação da República em Portugal.
Quando conheceu D. Amélia?
Comecei a conhecê-la na Normandia, quando visitei os lugares que marcaram a sua infância. Tende-se a esquecer a infância e a adolescência das grandes personalidades e, no entanto, sabemos bem como são esses os anos que marcam e nos definem. Quando D. Amélia chega a Lisboa, quero acreditar que já vejo o país pelos seus olhos...
Acredita que D. Amélia é uma Rainha ignorada pelos portugueses?
Julgo que o conhecimento que temos dela, que eu tinha dela, estava muito limitado ao Regicídio. Há outros livros escritos sobre ela, e livros com qualidade, mas apesar disso sim, acho que os portugueses sabem pouco sobre ela.
E injustiçada?
No seu tempo foi muito injustiçada e difamada. No tempo de António Oliveira Salazar faz-se alguma justiça, nomeadamente através de grandes entrevistas publicadas nos jornais. Quando, em Maio de 1945, regressa a Portugal para rezar junto do marido e dos filhos enterrados no Panteão de S. Vicente, é saudada por enormes manifestações de entusiasmo. Infelizmente gostamos muito mais de justiças póstumas ou fora do tempo...
Como foi o processo de pesquisa? Quanto tempo demorou e quais foram as suas principais fontes? Recomendaria algum livro em particular?
A pesquisa é sempre fascinante e no caso de D. Amélia há muitas fontes, e fontes fidedignas, para além das cartas e dos locais, que nalguns casos permanecem quase intocados como acontece no Palácio da Pena ou no Paço de Vila Viçosa. Contei também com a ajuda preciosa da historiadora Ana Cristina Pereira, que, com a sua perícia e entusiasmo, me ajudou a encontrar a informação que procurava (e noutros casos a surpreender-me com histórias fantásticas e relevantes). Durante um ano e meio vivi rodeada dos personagens que fazem a nossa História do princípio do século.
Considera o livro uma biografia? Até que ponto é uma ficção histórica?
Porque estamos muito próximos no tempo, e porque há muita informação fidedigna, diria que o livro tem muito de biografia e pouco de ficção. Mas é claro que, quando ressuscitamos um personagem, quando queremos que a sua história faça sentido para o leitor, quando queremos que o leitor comece e acabe o livro de um fôlego (sim, mesmo tendo quase 600 páginas), temos que a insuflar de vida.
Ficou surpresa com algum factor da vida de D. Amélia que não conhecia?
Não conhecia quase tudo! Que tinha nascido no exílio, que era a mais velha de muitos irmãos, que tinha complexos por ser tão alta, que era tão bonita, tão bem disposta e rebelde, enquanto que simultaneamente tinha um sentido do dever imenso. Não sabia como tinha sido a sua relação com os seus dois filhos, como era uma mãe próxima e meiga, como eles a adoravam, como sofreu com as infidelidades do marido e se sentiu desiludida com a incompreensão que os políticos e jornalistas tinham do seu esforço por mudar a vida dos mais pobres...
Quem são as principais pessoas que influenciaram a vida da Rainha?
O seu pai, que foi sempre um modelo para ela e que a educou para ser Rainha. A sua mãe, nem que fosse por oposição. O seu avô Montpensier, com o seu espírito aventureiro e a paixão comum pelos campos da Andaluzia (vivia em Sevilha), o seu tio avô Aumale, que lutou sempre por conseguir a restauração da Monarquia em França e que protegeu sempre o clã familiar. Em Portugal, o conde de Sabugosa, as suas damas mais próximas, a Duquesa de Palmela, a Condessa de Figueiró. E, claro, o Rei D. Carlos.
Acredita que a frase Quero bem a todos os portugueses, mesmo àqueles que me fizeram mal foi proferida com sinceridade?
Acho que sim, sendo que foi proferida muitos anos depois de ter deixado Portugal, mas resulta obviamente de uma convicção religiosa forte. São afinal, mais coisa menos coisa, as palavras de Jesus Cristo na cruz.
D. Amélia era uma pessoa ligada ao Mundo das Artes. O que isso influenciou a sua vida?
Pintava aguarelas e tinha muito talento. Essa paixão pela arte foi um dos pontos que a uniu sempre ao Rei, que desenhava e pintava mesmo muito bem. Julgo que foi sempre um escape e um momento de prazer. Desenhou os monumentos portugueses quase todos, numa tentativa de preservação do património, e publicou um livro com desenhos seus do Palácio da Vila de Sintra e um outro de desenhos seus cujos proventos revertiam para as suas obras de assistência.
Na sua vida foi uma Rainha compreendida pelos portugueses?
Julgo que não, embora quem trabalhava directamente com ela nas obras de assistência a tenha sempre admirado muito, e claro aqueles que usufruíam desses serviços. Conheceu uma grande popularidade no início, ainda enquanto Duquesa de Bragança e nos primeiros anos como Rainha, mas depois julgo que a Imprensa boicotou a sua imagem.
Qual foi a sua real posição aquando da Proclamação da República?
Considerou que era uma tomada de poder por um grupo de pessoas que não respeitavam as regras da democracia, uma vez que havia eleições livres e inclusivamente um partido Republicano nas cortes. Estava certa de que o verdadeiro povo português desejava a Monarquia e que não tinha sido ouvido nesta transição de regime. E de facto não foi.
E porque não aceitou o convite de Salazar para regressar ao país aquando da II Guerra Mundial?
Não aceitou o convite, mas ficou muito lisonjeada por ele. Não podia aceitar porque era uma mulher muito corajosa que, como ela dizia, não podia abandonar França no seu infortúnio, quando França ainda por cima não a abandonara no dela, tendo aceite que vivesse em Paris.
Qual acredita que foi o seu principal legado?
Diria que para além das obras que ajudou a criar, numa caridade consistente e organizada e não avulsa (como por exemplo o Instituto de Socorros a Náufragos, a luta anti tuberculose, os dispensários, etc.), fica o exemplo de uma mulher que foi capaz de superar os obstáculos e as tragédias, sem perder a esperança. E o sentido de dever, capaz de a fazer continuar mesmo quando é fácil de entender que só tinha vontade de desistir.
Sem dúvida que a sua vida é caracterizada pela tragédia. Qual o facto trágico que considera mais marcante na sua vida? Porque?
A morte do seu filho mais velho, o Príncipe Herdeiro D. Luís Filipe. Nenhuma dor que sentiu antes ou depois foi superior a esta.

Sem comentários: