«Se mandarem os reis embora, hão-de tornar a chamá-los.»
Alexandre Herculano
Não constitui a questão histórica um argumento primordial na defesa da Monarquia numa nação fundada e presidida por reis durante quase oitocentos anos, mas convém sempre relembrar que a data de hoje — e que pela última vez se celebra como Feriado Nacional — rememora o selvático assalto a um Estado de Direito constitucional por um grupo político radical e de expressão eleitoral minoritária. Desde esse dia, durante dezasseis anos e em nome de uma pretensa liberdade, os republicanos, à mistura com milícias armadas, grupos anarquistas e bombistas, ameaçaram os cidadãos comuns; vigiaram, prenderam, torturaram, degredaram e mataram, reprimindo com brutalidade todas as vozes contrárias, desde a Igreja à Imprensa. Milhares de inocentes, por discordância ou descuido, caíram-lhes nas mãos, até que o regime foi domesticado por Salazar: a censura de póstuma passou a prévia (evitando a perseguição aos ardinas e prejuízos materiais, de efeito arrasador para os jornais) e as milícias foram disciplinadas e “devidamente” institucionalizadas.
Os crimes do Regicídio (a cujo processo se deu sumiço) e da primeira república (mau grado os seus efeitos ainda permanecerem) prescreveram de facto. Os vencedores, inflamando o ressentimento tão fácil de atear num povo sofrido e iletrado, encarregaram-se de catequizar a História inventada de uma revolução idealizada, legitimando um sistema abstracto e as “boas intenções” dos seus perversos protagonistas. O ensino durante o Estado Novo completou essa tarefa.
Essa História instrumental e muito mal contada acaba pedagogicamente, mostrando que não é com revoluções, assassinatos, expatriações, erradicações ou mudança de símbolos que se mudam os hábitos, se curam os vícios e as idiossincrasias sociológicas de um povo: passados mais de cem anos, continuamos uma das nações da Europa com mais agudas desigualdades e onde a participação democrática dos cidadãos é a mais baixa. Afinal, tanto sangue, suor e lágrimas serviram para quê?
Hoje, agrilhoados a uma Constituição anquilosada e a um sistema político descredibilizado, observamos, atónitos, a repetição dos erros ancestrais. Penhorada a soberania e instalada a indigência, o cidadão descrê das elites e das instituições vigentes, controladas por obscuras máfias e grupos de interesses.
Em toda esta trágica história sobressai o legado do 5 de Outubro de 1910, um chefe de Estado, que incapaz de ser a reserva moral e a suprema referência identitária da Pátria, constitui, no nosso modelo «semipresidentalista», uma ficção de independência e autoridade, rejeitado ou ignorado pela maioria da população, um cargo envenenado pelo seu potencial de ambiguidade e conflitualidade institucional. Enfim, um semipresidente, um suposto árbitro recrutado a uma das equipas a que, houve a preventiva sensatez de retirar o apito e os cartões… excepto o vermelho: a bomba atómica, que desautoriza os deputados, legitimados pelo voto para a Casa da Democracia.
Acontece que uma Nação antiga e civilizada como a nossa deveria contar com um Parlamento condigno, um sistema colegial idóneo, onde, com veemência, se confrontassem e vigiassem os interesses, as facções ou as ideologias representadas pelos deputados legitimamente eleitos. Estaria assim garantido o contraditório e a representatividade plural, cuja autoridade e arquitectura democrática, e cujos equilíbrios de poder, para além do judicial, seriam garantidos no topo da pirâmide pela Instituição Real, cuja isenção e alto valor simbólico produz efeitos nas mais evoluídas democracias da Europa.
Dá-se o extraordinário facto de, após um século de desgraçada república, e ao contrário de algumas decadentes repúblicas europeias, os portugueses possuírem uma incontestável Casa Real, cujo Chefe, o Senhor Dom Duarte Pio de Bragança, Herdeiro do Trono de Portugal, possui legitimidade oficialmente reconhecida em 2006 pelo Governo de Portugal, através do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
É por isso que, para lá de qualquer agenda fantasiosa, estou convicto de que hoje, mais do que nunca, urge reunir tantos portugueses quanto possível na defesa e promoção do seu Príncipe — personificação de uma improvável realização quase milenar chamada Portugal, a ligação transgeracional aos nossos avós comuns, que contra ventos e marés, e por tantos séculos, a souberam dignificar.
Este é um património a defender com todas as nossas energias. Facto que todos nós deveríamos saber merecer, não só com palavras mas com actos, em torno da Causa Real, Instituição que tem por missão a defesa do ideal monárquico, da Instituição Real e, no limite, a (re)implantação duma Monarquia em Portugal. Uma Monarquia para o século XXI, moderna, descomplexada, virada para o futuro: sem pompa ou circunstância, sem corte ou cortesãos. Para resgatarmos a esperança num Portugal com instituições democráticas, representativas, credíveis, inspiradoras — e, sobretudo, mobilizadoras.
João Távora
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