Maria José Nogueira Pinto: O Senhor é meu pastor, nada me faltará!
A última crónica de Maria José Nogueira Pinto, no Diário de Notícias, com o título: NADA ME FALTARÁ. A fé no momento da despedida, quando já não havia esperança para este mundo, a esperança na eternidade de Deus.
"Acho que descobri a política - como amor da cidade e do seu bem - em casa. Nasci numa família com convicções políticas, com sentido do amor e do serviço de Deus e da Pátria. O meu Avô, Eduardo Pinto da Cunha, adolescente, foi combatente monárquico e depois emigrado, com a família, por causa disso. O meu Pai, Luís, era um patriota que adorava a África portuguesa e aí passava as férias a visitar os filiados do LAG. A minha Mãe, Maria José, lia-nos a mim e às minhas irmãs a Mensagem de Pessoa, quando eu tinha sete anos. A minha Tia e madrinha, a Tia Mimi, quando a guerra de África começou, ofereceu-se para acompanhar pelos sítios mais recônditos de Angola, em teco-tecos, os jornalistas estrangeiros. Aprendi, desde cedo, o dever de não ignorar o que via, ouvia e lia.
Aos dezassete anos, no primeiro ano da Faculdade, furei uma greve associativa. Fi-lo mais por rebeldia contra uma ordem imposta arbitrariamente (mesmo que alternativa) que por qualquer outra coisa. Foi por isso que conheci o Jaime e mudámos as nossas vidas, ficando sempre juntos. Fizemos desde então uma família, com os nossos filhos - o Eduardo, a Catarina, a Teresinha - e com os filhos deles. Há quase quarenta anos.
Procurei, procurámos, sempre viver de acordo com os princípios que tinham a ver com valores ditos tradicionais - Deus e a Pátria -, mas também com a justiça e com a solidariedade em que sempre acreditei e acredito. Tenho tentado deles dar testemunho na vida política e no serviço público. Sem transigências, sem abdicações, sem meter no bolso ideias e convicções.
Convicções que partem de uma fé profunda no amor de Cristo, que sempre nos diz - como repetiu João Paulo II - "não tenhais medo". Graças a Deus nunca tive medo.Nem das fugas, nem dos exílios, nem da perseguição, nem da incerteza. Nem da vida, nem na morte. Suportei as rodas baixas da fortuna, partilhei a humilhação da diáspora dos portugueses de África, conheci o exílio no Brasil e em Espanha. Aprendi a levar a pátria na sola dos sapatos.
Como no salmo, o Senhor foi sempre o meu pastor e por isso nada me faltou - mesmo quando faltava tudo.
Regressada a Portugal, concluí o meu curso e iniciei uma actividade profissional em que procurei sempre servir o Estado e a comunidade com lealdade e com coerência.
Gostei de trabalhar no serviço público, quer em funções de aconselhamento ou assessoria quer como responsável de grandes organizações. Procurei fazer o melhor pelas instituições e pelos que nelas trabalhavam, cuidando dos que por elas eram assistidos. Nunca critérios do sectarismo político moveram ou influenciaram os meus juízos na escolha de colaboradores ou na sua avaliação.
Combatendo ideias e políticas que considerei erradas ou nocivas para o bem comum, sempre respeitei, como pessoas, os seus defensores por convicção, os meus adversários.
A política activa, partidária, também foi importante para mim. Vivi-a com racionalidade, mas também com emoção e até com paixão. Tentei subordiná-la a valores e crenças superiores. E seguir regras éticas também nos meios. Fui deputada, líder parlamentar e vereadora por Lisboa pelo CDS-PP, e depois eleita por duas vezes deputada independente nas listas do PSD.
Também aqui servi o melhor que soube e pude. Bati-me por causas cívicas, umas vitoriosas, outras derrotadas, desde a defesa da unidade do país contra regionalismos centrífugos, até à defesa da vida e dos mais fracos entre os fracos. Foi em nome deles e das causas em que acredito que, além do combate político directo na representação popular, intervim com regularidade na televisão, rádio, jornais, como aqui no DN.
Nas fraquezas e limites da condição humana, tentei travar esse bom combate de que fala o apóstolo Paulo. E guardei a Fé.
Tem sido bom viver estes tempos felizes e difíceis, porque uma vida boa não é uma boa vida. Estou agora num combate mais pessoal, contra um inimigo subtil, silencioso, traiçoeiro. Neste combate conto com a ciência dos homens e com a graça de Deus, Pai de nós todos, para não ter medo. E também com a família e com os amigos. Esperando o pior, mas confiando no melhor.
Seja qual for o desfecho, como o Senhor é meu pastor, nada me faltará."
MARIA JOSÉ NOGUEIRA PINTO - Diário de Notícias
Maria José Pinto da Cunha de Avilez Nogueira Pinto (Lisboa, *23 de Março de 1952 - +06 de Julho de 2011) - Wikipédia
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E assim Portugal vai ficando mais pobre, porque aquelas e aqueles que ainda defendem os valores cristãos, os valores da família, vão ficando apenas nas nossas memórias.
Que saibamos honrar a sua coerência cristã católica.
Que o Senhor lhe conceda o descanso eterno.
2 comentários:
Consternada, apreensiva e extremamente triste, são os meus sentimentos neste momento que tem tanto de surpreendente como de doloroso! Não tenho palavras que possam exprimir com a grande perda que o nosso País acaba de sofrer. Que grandeza de Alma duma MULHER que deverá servir de exemplo a todas as mulheres portuguesas!
"O Senhor é meu Pastor, nada me faltará", estou de acordo e creio que esteja onde estiver, continuará a estar junto Dele e velará por Portugal e pelos Portugueses.
Curvo-me perante a sua memória com humildade e resignação.
Edite Cecília Rodrigues
"O Senhor é meu Pastor, nada me faltará"...no melhor e no pior!
À MJNG...que Deus a acolha no seu regaço paternal, com toda a Luz com que ela foi vivendo e fazendo viver; à Família, o abraço da certeza que a maior herança recebida é aquela que guardarão para Sempre nos seus Corações; a todos nós, a recordação do testemunho de Fé e Vida, que fomos recebendo em cada gesto, palavra (escrita e falada) e acto.
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