domingo, 15 de maio de 2011

S.A.R., DOM DUARTE DE BRAGANÇA DESDE 2005 ALERTA QUE O FUTURO DO PAÍS ESTÁ EM "RISCO"

Mantém-se preocupado com o presente e o futuro de Portugal?
— A minha preocupação é sobretudo a médio e longo prazo, porque no curto prazo as coisas vão-se resolvendo e remediando. Há muito tempo que não definimos claramente quais são os objectivos nacionais e temos vindo a ser governados por soluções de curto prazo. É da observação que faço dessa realidade que digo: estou muito preocupado quanto ao futuro de Portugal.
Quer dar exemplos de soluções governativas no imediato?
- Quando, por exemplo, o Estado gasta grande parte dos nossos recursos em obras de luxo de país rico enquanto continuamos a ter um nível de desenvolvimento humano que é próximo de alguns países da América do Sul, há qualquer coisa que está errada. Não podemos gastar como se fossemos um país do «Primeiro Mundo» e ter uma formação, uma educação e um estilo de vida próximo do «Terceiro Mundo». Ou seja, gastamos como ricos e trabalhamos como os países pobres, de uma maneira desorganizada e com falta de planificação.
Quais são os empreendimentos em que foram investidos dinheiros públicos que lhe merecem maiores críticas?
- A Expo 98, o Centro Cultural de Belém, a Ponte Vasco da Gama, o número exagerado de estádios de futebol do Euro 2004, isto já para não falar do excesso de auto-estradas para um País tão pobre como o nosso. Estas obras até podem ser boas em si, e úteis, mas não podiam ser consideradas investimentos prioritários! Se são rentáveis, que sejam assumidos pela iniciativa privada…Sou a favor das boas estradas que sirvam todas as regiões do país e creio que o modelo das IP’s (Itinerários Principais) é excelente para Portugal. Não vale a pena exagerar e despender dez vezes mais a fazer auto-estradas em vez de IP’s. O mesmo se aplica ao modelo de transporte ferroviário, que é muito mais adaptado a um país com fracos recursos energéticos — como é o nosso — do que o modelo de transporte rodoviário com camiões e automóveis, que tem sido encorajado. Na altura propus que a Ponte Vasco da Gama ficasse em Alverca, onde seria muito mais curta e faria com mais eficácia a ligação do Norte ao Sul do país. O novo aeroporto intercontinental deveria ser uma adaptação do que existe no Porto, pois a maior parte dos viajantes para as Américas são originários do Norte e da Galiza. E o TGV só se justifica se for de Lisboa para Madrid, as outras ligações durariam tempo demais para serem concorrenciais com o avião. O tal aeroporto da Ota só teria utilidade para os negócios imobiliários…
É critico da «política de betão» que tem sido seguida?
- O modelo de desenvolvimento português é globalmente errado. E, em consequência, temos seguido um rumo a favor do consumo e não a favor da poupança e da produção. Há aqui uma questão educativa fundamental: os nossos pais educavam-nos para a poupança e que ter dívidas a um banco ou ao merceeiro era uma vergonha. Hoje assistimos à inversão desses valores. Como disse alguém como muita graça: «se eu devo 100 contos ao banco tenho um problema, se eu devo 100 mil contos, o banco é que tem um problema.
«Ainda não aprendemos o que é a democracia»
Falta um projecto e um desígnio nacional?
- A questão dos desígnios foi sempre central na motivação dos portugueses. A dada altura, os nossos governantes acharam que o desígnio ultramarino podia ser substituído pelo glorioso desígnio da construção europeia, só que os portugueses viam o Ultramar como uma responsabilidade, uma missão e vêm a União Europeia como uma fonte de subsídios.
Concorda com os que dizem que vivemos a maior crise em muitas décadas?
- A crise é, sobretudo, dos valores morais que eram transmitidos pela Família, pela Igreja, pela Escola e, inclusive, no Serviço Militar, que estão a ser contestados e esquecidos. Os heróis da nossa época, não apenas em Portugal, mas em toda a Europa, são os que conseguem atingir o sucesso económico a qualquer preço.
Como é que se inverte esse modelo instalado?
- Só se consegue combater se houver uma cultura familiar de responsabilidade. Há uns anos a esta parte a cultura e os valores espirituais deixaram de ser influenciados pela Escola, Família e Igreja, e sofrem um forte condicionamento da televisão. O consumo televisivo em certas famílias é excessivo e quanto mais horas de televisão vêem em geral mais baixo é o nível cultural dessa família. Já para não falar dos filhos que têm televisões nos quartos e os pais são impotentes para controlar os programas a que eles assistem.
Defende regras mais severas para os operadores televisivos?
- Não abre um canal de televisão quem quer, é preciso uma licença muito difícil de obter. Considerando que os canais que emitem pela via hertziana (públicos e privados) são licenciados pelo Estado, estes deviam ser obrigados a cumprir o serviço público e a obedecer a regras éticas.
Como é que se contorna o argumento dos privados que estão submetidos à lógica comercial ?
- Os canais privados podem invocar que são comerciais e que tentam maximizar os lucros do negócio, mas eles não podem estar a operar somente para ganhar dinheiro à nossa custa, também têm que cumprir regras e fornecer um serviço de qualidade e com regras. Qualidade ética , cívica e moral não precisa ser menos interessante e divertida…
É partidário da criação de uma entidade reguladora forte e independente?
- Claro, como acontece em vários países, a começar pelos Estados Unidos, em que existe uma entidade que pune severamente os que não cumprem a regulamentação em vigor, nomeadamente no que diz respeito à emissão de programas ofensivos moralmente. Pode levar, inclusive, à perda da licença. Por exemplo é inadmissível anunciar filmes pornográficos à hora em que as crianças estão diante do televisor, o que viola o disposto na lei.
Os portugueses e o poder político ainda não despertaram para este debate?
- O efeito pernicioso da televisão sobre a cultura e os valores das crianças e dos jovens não é um debate de hoje e não é exclusivo do nosso País. Não estou a dar nenhuma novidade. O problema é que em Portugal muita gente ainda não percebeu a gravidade do assunto. Viver em democracia tem vantagens e inconvenientes: numa ditadura há quem tome conte de nós, enquanto na democracia temos de tomar conta de nós próprios. Não podemos deixar que sejam os interesses comerciais das televisões a ditar as regras. Os representantes políticos que elegemos é que têm obrigação de responder em nosso nome. Os eleitores deviam votar de acordo com os compromissos concretos que as listas concorrentes ao Parlamento por cada distrito fazem.
Pensa que existe um défice de democracia representativa?
- Creio que ainda não aprendemos o que é a democracia. A todos os níveis: desde o povo, até aos próprios políticos. Achamos que a democracia é uma técnica para a conquista e manutenção do poder e não percebemos que é a representação dos eleitores. Por isso quando se vota não deve interessar a etiqueta do partido. O que interessa é nas listas concorrentes saber se as pessoas que concorrem no meu círculo eleitoral vão defender da melhor forma os meus valores morais e o interesse da população.
Mas o que acontece é que os políticos de hoje não são propriamente um exemplo para a maioria da opinião pública...
Quando os partidos políticos tomam decisões gravíssimas que estão relacionadas com a questão da soberania nacional sem consultarem directamente o povo português estão a exceder as suas competências. Não se podem assinar acordos que põem termo à soberania portuguesa, sem que o povo claramente perceba o que se está a passar e aprove. Isto foi defendido por um numeroso grupo dos mais ilustres intelectuais portugueses recentemente.
Vão para as eleições, como para um campeonato de futebol. O clube do nosso coração pode estar um desastre, o presidente pode estar sob suspeita, mas nunca lhe voltamos as costas. É uma atitude que no desporto é simpática e não vem mal ao mundo, mas em política é desastrosa. Se continuo a votar no «clube» - neste caso o partido político - que joga mal, o País é que perde.
Pensa que existe um equívoco na opinião pública que não consegue distinguir o partido do seu coração e o interesse nacional?
- Exactamente. É preciso claramente identificar os partidos que de acordo com os nossos ideais governam melhor e votar neles. Pensando bem o que eu gostava de ver em Portugal era um Governo em que os melhores dos vários partidos estivessem juntos a governar. Não seria utópico pegar no que de melhor havia nos comunistas, nos socialistas, nos social-democratas, nos democratas cristãos e formar um Executivo, mas é evidente que isso ia estragar o chamado «jogo» partidário.
O «jogo» partidário inviabiliza o seu desejo?
- Creio que temos de nos deixar de «jogos» partidários e pensar seriamente no futuro de um País que efectivamente está em risco. Hoje em dia dá-se mais importância às formas da democracia, do que propriamente ao seu conteúdo. Na minha opinião, o país mais democrático e mais bem governado da Europa é a Suiça. Há mais de um século que não cai o Governo. A composição do Executivo em termos de representantes das forças partidárias é que vai mudando em função dos actos eleitorais.
Devíamos seguir o modelo suíço?
É um modelo «sui-generis». Por exemplo, o Presidente da Suiça não fica no cargo mais do que alguns meses, para não personalizar muito o cargo, com a particularidade de ter que existir rotatividade entre os cantões. E é eleito pelos membros do Concelho Federal (o Governo). Quando o povo discorda dos governantes, recorre aos referendos, locais ou nacionais.
Identifica razões históricas e culturais para o aparente marasmo do sistema político a que chegámos?
Portugal introduziu aproximadamente em 1834 a democracia partidária com a revolução liberal, mas infelizmente nunca foi bem interpretada ou então foi entendida como um jogo em que existem uns profissionais que se vão revezando no poder. O conceito de democracia está adulterado e por isso é que há os níveis de abstenção que sabemos e a indiferença em relação ao Parlamento atinge uma dimensão grave. O que é uma apreciação injusta, visto que a maioria dos deputados trabalha muito, desdobra-se em comissões, etc. O Parlamento não pode funcionar nos actuais moldes e tem que demonstrar à opinião pública que é útil. Defendo por exemplo que se formem comissões de Educação, Saúde, sobre os incêndios florestais, etc., sem serem nomeadas pelos partidos políticos, envolvendo deputados e especialistas da sociedade civil. Seria extremamente produtivo para o País.
Há muito que se fala na reforma do sistema político, mas tem faltado coragem para aprofundá-la. O que é que sugere em termos de transformações na Assembleia da República?
- Eu defendo que os deputados sejam eleitos por círculos uninominais — por exemplo, Sintra, Mafra, etc. Podia haver uma segunda câmara parlamentar (Senado), equivalente à Câmara dos Lordes em Inglaterra, em que o País estivesse representado de outra maneira que não fosse necessariamente pelos partidos.
Os componentes de esse Senado seriam seleccionados por um processo de nomeação mais complexo e nele teriam assento as personalidades mais relevantes nas últimas décadas da vida política, como ex-PR’s, ex-PM’s, representantes das igrejas, das Forças Armadas, dos sindicatos, etc.
Os políticos têm estado na berlinda desde a publicação do artigo de Cavaco Silva. Pensa que as culpas de tudo de mau que se passa em Portugal devem ser assacadas apenas a estes agentes?
- Não é justo apontar o dedo aos políticos e culpá-los pelos males do País, mas é preciso começar por algum lado. Recordo-me que a classe política aparentemente só despertou para o deficiente funcionamento da Justiça quando os políticos começaram a ser presos.
De quem é a culpa?
- A culpa é de quem fez as leis que regem a Justiça e não se deu ao trabalho de as actualizar… A legislação do sector judicial é idealista, e distanciada da realidade que vivemos. Neste caso era urgente pôr os deputados a trabalhar e a fazer uma legislação como deve ser para melhorar o funcionamento das instituições.
Se o funcionamento das instituições está limitado, presumo que considere que o acto de realizar Justiça está em risco?
- Ninguém acredita na Justiça e o Estado de Direito em Portugal está desacreditado, apesar da dedicação extraordinária de muitos juízes que trabalham em condições desumanas. É particularmente injusto esperar décadas para resolver um problema ou, pelo contrário, não ver nada resolvido por prescrição de um processo.
O caso da Casa Pia, para além de expor a crise da Justiça em toda a sua dimensão, é o paradigma de uma sociedade ética e moralmente em desagregação?
- Infelizmente essas situações acontecem em todo o Mundo e em todas as épocas. Muita gente sabia que isto se passava, mas durante décadas ignoraram o assunto, com a gravidade adicional de se tratar de uma instituição do Estado que devia proteger as crianças, mas que no fundo estava a ser cúmplice na perversão e abuso dos menores. Na Suiça, há uns anos atrás, três mulheres cujos filhos e filhas foram mortos por pedófilos, levantaram um movimento nacional para pedirem um referendo que determinasse a prisão perpétua para os agressores, contra a opinião de todos os partidos políticos e imprensa. As queixosas ganharam por 75 por cento a consulta popular e hoje existe a prisão perpétua na Suiça. O referendo é um bom instrumento político para resolver problemas e evitar a apatia que acontece noutros países.
«O País não acredita no regime em que vive»
Pensa que as consultas populares deviam ser mais frequentes em Portugal?
- Quem não gosta de referendos, não gosta da democracia. Infelizmente, muitos acham que é preferível deixar as regras do «jogo» entregues aos profissionais da política...
Numa altura em que o sistema republicano tem evidenciado debilidades, admite que a Monarquia possa, num futuro próximo, ter a sua oportunidade?
- Os reis de hoje na Europa, na Ásia e no resto do Mundo, são isentos politicamente. Que me lembre nunca no século XX, na Europa, um Rei exerceu um veto político contra um Governo. Essa atitude é privilégio de algumas repúblicas…
Por outro lado, os presidentes podem ser pessoas dedicadas, inteligentes — como felizmente têm sido e são os presidentes portugueses — mas são geralmente pessoas que vieram de um partido e de uma carreira política, o que torna muito difícil que de um dia para o outro deixem de ser o militante político que sempre foram. É um esforço que não pode ser exigido a ninguém. Na minha opinião, esta é uma das grandes fraquezas da República.
Um Rei conseguiria manter a equidistância que os presidentes não têm logrado manter?
- Tem sido sempre assim na Europa, pelo menos nos últimos 100 anos. O Rei, estando fora da política, consegue criar um consenso em seu torno, e só intervém influenciando discretamente ou em temas que são a defesa de valores permanentes ou então quando acontece uma grande crise que afecte a segurança nacional. O monarca, com o seu exemplo ao longo da vida, contribui para a unidade nacional e para mobilizar os bons impulsos da sociedade. No Japão, os americanos perceberam no rescaldo da II Guerra mundial, que era indispensável o Imperador para poder reconstruir aquele País e mantiveram-no lá, pese embora ser o líder inimigo por excelência durante o conflito.
Que outros pontos fracos aponta ao sistema vigente?
Outra das fraquezas é a imagem de instabilidade que a República transmite. Falta fé no sistema republicano. O País não acredita no regime em que vive. É a lógica do cada um por si, em detrimento do bem comum.
É uma instabilidade que está nos genes da República?
O problema hoje consiste em possuir instituições democráticas e judiciais que efectivamente respeitem os direitos, as liberdades e as garantias. E um Rei tem geralmente mais sensibilidade e independência…
Estou convencido de que um Rei defende melhor a República do que qualquer Presidente, como disse recentemente o Primeiro Ministro da Holanda. A realidade diz-nos que um monarca tem mais possibilidades de contribuir para o bom funcionamento das instituições da República, que revelam maior instabilidade quando não há um Rei. Se é assim é toda a parte, porque que é que cá não deveria ser? Quanto à minha posição pessoal, é indiscutivelmente muito mais confortável estar na minha situação actual do que assumir essas responsabilidades…
Mas, tal como os políticos, não há monarcas incompetentes?
Também os houve e haverá. Mas por exemplo na Europa do século que acabou dificilmente se consegue encontrar um mau rei, enquanto se encontram facilmente presidentes pouco recomendáveis…
Holanda, Bélgica, Reino Unido, Luxemburgo, os países escandinavos e a Espanha, são países onde a monarquia se implantou com sucesso.
O caso do Rei Dom Juan Carlos é muito delicado. Ele é Rei de várias nações que não se entendem. No fundo, o Rei de Espanha é o único factor de união no «país vizinho», da mesma forma que o é o Rei da Bélgica: os belgas dizem com graça que só há um belga, que é o Rei, porque, como se sabe, os outros são flamengos e valões.
A consulta popular seria a via a seguir para saber da receptividade dos portugueses à monarquia?
- Não é um tema dramático, mas deve ser tratado com calma e ponderação. Há vários caminhos: uma decisão parlamentar, a reforma da Constituição, etc. Há um parágrafo na Lei Fundamental que é completamente antidemocrático, que é o artigo 288, que diz ser «inalterável a forma republicana de Governo». Foi proposto pelas reais associações portuguesas a alteração desse estatuto para «é inalterável a forma democrática de Governo». A proposta da maioria parlamentar o ano passado era que se banisse o referido artigo e foi aprovada pela maioria dos deputados. Só faltaram 22 votos para ter os dois terços do Parlamento e ser aprovado. O que significa que esta cláusula, que impede o povo português de se pronunciar, é completamente inaceitável.
«Futebol profissional não devia ser subsidiado»
Que receita advoga para inverter a lógica medíocre e facilitista que campeia na nossa sociedade?
- A começar pela Educação. Globalmente todo o sistema escolar e educativo está errado. As pessoas que fazem os programas escolares têm com principal objectivo preparar o acesso à universidade... Esta fixação pelo acesso à faculdade é profundamente injusta do ponto de vista social, quando é sabido que a maioria não poderá nunca entrar no Ensino Superior. A lógica de querer formar massivamente doutores é própria do Terceiro Mundo.
A proliferação dos cursos devia ser alvo de debate?
- A Educação em Portugal anda ao sabor das modas. A dada altura toda a gente tinha que ir para gestor, porque pensavam que seriam gerentes de bancos ou grandes empresários. Agora todos querem ser jornalistas, os heróis da nossa época. Constata-se que depois do curso tirado, os gestores vão para outras áreas, há jornalistas que por o mercado estar saturado vão para taxistas, etc. Estamos a formar pessoas para o sub-emprego.
Devia haver uma maior aposta no ensino técnico-profissional?
- Claro, temos o mais baixo índice de formação profissional da Europa o que determina que a rentabilidade laboral , os salários e as reformas sejam das mais baixas e, consequentemente, o nível de pobreza ser dos piores da União Europeia. Os erros vêm de trás. Durante os primeiros anos da nossa adesão europeia o dinheiro foi gasto em obras públicas sumptuosas em vez de se ter investido na formação humana. Agora, bastante tarde, é que dizem que devíamos seguir o modelo irlandês. Isso era óbvio na década de 80., lembro-me de discutir esse assunto com os governantes da época. Mas em vão.
É uma cultura laxista e que incentiva a mediocridade?
- Laxista por um lado e por outro de clube, onde há uma espécie de «nomenclatura» que se apoia mutuamente. A sociedade portuguesa está demasiadamente parecida com a imagem do futebol.
Está contra o negócio de milhões que o futebol gera?
É politicamente incorrecto dizer, mas não concordo que o futebol seja profissional. Penso que o desporto devia ser preferencialmente amador, porque é uma actividade para fazer bem à saúde e não para servir de circo. Mas sei que estou a ser utópico. Mas não devia ser encorajado e subsidiado pelo Estado à custa do dinheiro dos nossos impostos e descurando as outras modalidades desportivas. Se é um negócio, que seja rentável e pague impostos!
- Os exemplos são vários: ainda recentemente ouvimos um ministro a tentar pôr na ordem os clubes quanto ao cumprimento de dívidas fiscais e logo «aqui d’el rei»; quando um presidente de câmara não quer ir a um jogo de futebol é considerado um «traidor», etc. O «reaportuguesamento» de Portugal.
A identidade portuguesa está a desvanecer-se?
- Dou um exemplo: estamos todos muito preocupados com a globalização cultural e o lugar da nossa identidade, mas a doutrina oficial do Estado, das câmaras e das universidades, é que em arquitectura deve ser tudo uniformizado. Não pode haver uma arquitectura minhota ou lisboeta, por exemplo. As câmaras tentam frequentemente impedir que se faça uma arquitectura regional ou que respeite a nossa cultura e tradição histórica. Trata-se de um contra-senso, pois é um dos traços mais importantes para identificar um Povo.
Eu defendo que prestemos atenção ao movimento integralista dos princípios do século XX que defendeu o «reaportuguesamento» de Portugal, com especial ênfase na Arquitectura. Os povos que cultivam os seus próprios valores culturais têm muito mais auto-estima do que os povos que se desprezam a si próprios e que querem copiar tudo lá de fora. Saiu agora o livro «Filhos de Ramires», que é um excelente estudo desse movimento político e filosófico que marcou Portugal e tem sido muito deturpado.
Estamos a negligenciar os nossos valores?
- Sem dúvida. Aqui só se mostra a bandeira portuguesa quando há um campeonato de futebol… Muitos portugueses já baniram a palavra pátria do seu vocabulário.
Está na moda ser anti-patriota?
- Tem estado, exceptuando no último Euro 2004. Durante a Segunda República o ser patriota era associado ao “fascismo”. Depois manteve-se esse rótulo, até hoje.
Concorda com o historiador José Hermano Saraiva que diz «não compreender porque é que se fala tanto em liberdade e tão pouco em independência»?
- Concordo. Sem independência não há verdadeira liberdade. Se essa circunstância acontecer, são os povos mais fortes, mais ricos e mais poderosos que vão controlar a Europa e dominar os países mais pequenos — onde se inclui Portugal e cujos valores e interesses seriam subordinados e negligenciáveis.
O Tratado Constitucional europeu potencia essa ameaça?
Para começar o documento ignorou os valores espirituais do cristianismo o que é um muito mau sinal sobre as verdadeiras intenções de quem está a promover a constituição europeia.
Poderiam ao menos fazer uma invocação a Deus, o que seria bem aceite também por muçulmanos e judeus.
O processo de construção europeia está a cercear a nossa soberania?
- Portugal está numa encruzilhada. A U.E. tem sido até à data, uma união de estados europeus na defesa dos seus interesses comuns. Neste momento permanece uma incógnita: ou continuamos uma União ou passamos a ser uma República Federal Europeia em que os pequenos estados serão negligenciáveis. No Tratado há uma vontade de tudo regulamentar e normalizar, até às colheres de pau. Se ficarmos por aqui não é trágico, o mesmo já não se pode dizer se nos impuserem, por exemplo, a obrigação de aceitar a liberdade do aborto e da eutanásia, ou outros pontos de ordem moral e espiritual.
É favorável ao voto «não» no referendo?
Ainda não tenho um opinião clara, e não tenciono exprimir a minha opção em público. No entanto, votar «não», não é votar contra o projecto europeu, é um voto favorável à actual União Europeia. Eu vi um lema que diz «Europa sim, mas não assim». Indigna-me a atitude de alguns responsáveis políticos europeus, que quase nos coagem moralmente a votar «sim», sob pena de sermos tratados como «criminosos» contra a Europa dizendo que a vitória do «não» seria algo de catastrófico. As últimas sondagens em Inglaterra dão uma larga vantagem ao não.
Os políticos estão interessados em esclarecer os portugueses?
- Tenho ouvido políticos a afirmar que são a favor da federação europeia, mas em surdina dizem que não convém falar disso hoje, para não assustar as pessoas.
O alargamento da Europa a 25 e a expansão para Leste penaliza-nos?
- Cria novos desafios e não sei se estamos preparados para os enfrentar. Mas porque é que só pensamos na cooperação com a Espanha? Portugal e Espanha podem aliar-se em assuntos específicos, mas têm interesses contraditórios. Penso que seria vantajoso ter uma cooperação política e económica com os pequenos e médios países da U.E. com muitos problemas semelhantes aos nossos. Já uma aliança com a Galiza eu veria com bons olhos... «Já não somos auto-suficientes»
Como é que observa o expansionismo económico castelhano em Portugal?
- Há situações graves. Quando uma empresa espanhola compra uma empresa portuguesa, muitas vezes não é para dinamizá-la, mas é para a fechar e aproveitar os mercados que essa empresa tem para exportar produtos espanhóis. Quando faço compras tenho muita dificuldade em distinguir o que é feito em Portugal e em Espanha...
Quando os governos abrem as fronteiras de uma forma imoral a produtos de terceiros países — sem contrapartidas para a nossa economia, só para beneficiar as grandes multinacionais — a reacção devia ser concertada, a começar pelos sindicatos a nível europeu, na defesa do emprego no «velho continente».
Concorda com o sociólogo António Barreto que prognosticou o desaparecimento de Portugal?
- O desaparecimento de Portugal pode acontecer por vários motivos. Primeiro por deixarmos de ter qualquer tipo de soberania e as nossas decisões serem tomadas lá fora, até perdermos a nossa identidade e cultura própria. Tenho fé na capacidade de reacção nacional à adversidade, o pior é que só reagimos à beira do abismo. Estamos a dar cabo da nossa produção agrícola e o mesmo está a acontecer com as pescas. Já pensou o que é que acontecerá se houver uma grave crise internacional e não entrarem mais cereais da América do Sul e do Norte? Vamos passar fome. Sem instituições fortes, acontecerão os saques, as pilhagens, o caos social. Até que venha um ditador que tome conta de nós e termine o ciclo democrático.
Portugal poderá deixar de ser um País auto-suficiente?
- Já não somos. Com o défice da nossa balança comercial e com a destruição da nossa capacidade produtiva corremos um risco geo-estratégico gravíssimo. Para além disso, estamos a comprometer o nosso futuro ao deixar proliferar uma construção urbana desenfreada nas melhores terras agrícolas. Esta nossa tentação de mexermos com a natureza irresponsavelmente pode comprometer seriamente o nosso futuro.
Por outro lado as obras na «Baixa Pombalina» são um desses exemplos — foi de uma extraordinária irresponsabilidade fazer o túnel do metro do Terreiro do Paço e deixarem abrir caves por baixo dos prédios. Qualquer dia começam a cair os prédios da Baixa Pombalina por apodrecimento dos pilares de madeira que os sustentam.
Admite um novo referendo ao aborto e à regionalização em Portugal?
- O aborto não certamente até porque o direito à vida não deve ser referendado. Não é legitimo fazer uma nova consulta popular. Os partidos deviam definir-se claramente antes das eleições sobre esse assunto. Quanto à regionalização não vejo mal que seja referendada, pois as circunstancias podem mudar. Mas o modelo proposto creio que seria muito caro, havendo o risco de retalhar um País tão pequeno e multiplicar o número de cargos políticos que teriam de ser pagos.
Algumas opções políticas de Zapatero estão a ser muito contestadas em Espanha e no Vaticano. Como veria a legalização dos casamentos homossexuais em Portugal?
- Ninguém impede dois homens ou duas mulheres de fazerem a vida juntos. O único entrave é de natureza moral, dependendo das convicções de cada um. Agora considerar uma união de facto como um casamento é, em certa medida, adulterar a ideia do matrimónio. Associado ao conceito de casamento estão os filhos.
O casamento foi criado e legislado para a protecção dos filhos que dele nascerão.
Tem demonstrado publicamente que não aprecia a obra de dois portugueses com êxito internacional, José Saramago e Paula Rêgo. Porquê?
- Saramago tem todo o direito de escrever como o faz, mas confesso que não aprecio o estilo. Mas isso não tem importância. Ele ter tido bons tradutores para o Sueco, língua do júri do Prémio Nobel…. Grave é ter escrito no «Evangelho» que Cristo é filho de uma aventura de Maria com um soldado romano. Trata-se de um insulto para os cristãos do mundo — inclusive o Estado de Israel e alguns países muçulmanos proibiram a venda do livro.
A pintura de Paula Rêgo tem a qualidade de alguns bons autores de banda desenhada que tenho lido. Aceito que haja quem goste, provavelmente eu é que não percebo. Mas confesso que me incomodam os quadros provocatórios e insultuosos para com a Virgem Maria. Para os cristãos ela é a nossa Mãe, e não admitiríamos que tratassem assim a nossa Mãe terrestre!
(In O Diabo, 1 de Fevereiro de 2005)

1 comentário:

Nuno Castelo-Branco disse...

Esta entrevista podia ser de... amanhã! Actualíssima.