terça-feira, 30 de março de 2010

EMBARQUE DO REI PARA INGLATERRA RELEMBRADO A PARTIR DA TRADIÇÃO ORAL DA ERICEIRA

Último sobrevivente dos cidadãos que assistiram à visita da Rainha D. Amélia à Ericeira em 1945, José Caré recorda os relatos do pai sobre o embarque há 100 anos da família real para Inglaterra, após a proclamação da República.
“O meu pai tinha 13 anos, andava a brincar no mar e contava que o rei [D. Manuel II] tinha um pouco de medo de embarcar porque o mar estava picado e a maré era muito cheia, por isso houve uma embarcação que, antes de ter a bordo a família real, foi devolvida à praia por uma vaga e, por superstição, já não foi usada”, conta José Caré, 85 anos de idade.
O cidadão, agente técnico de construção civil mas desde sempre ligado às gentes do mar não só pela tradição piscatória da família mas também pela paixão pela pesca desportiva, é o último sobrevivente do grupo de pessoas que, em 1945, cumprimentou a Rainha D. Amélia, aquando da sua deslocação à Ericeira.
Passados 35 anos do fim da monarquia, a monarca pediu uma autorização ao primeiro-ministro António de Oliveira Salazar para vir a Portugal e à Ericeira, dar uma recompensa financeira e agradecer aos cerca de dez pescadores, que remavam as duas embarcações que transportaram a família real até um navio atracado em alto mar e que a iria levar até Inglaterra.
Tudo porque, contava o seu pai, a viagem curta correu sem incidentes e hostilidades e mereceu o apoio do então delegado marítimo da Ericeira que, apesar de republicano, “comandou ao largo a manobra das embarcações”.
“Na altura estavam muitos banhistas e houve um coronel [na reforma] que confrontou o delegado marítimo, que era tenente, ao dizer-lhe que tinha perdido uma oportunidade
de figurar na história se tivesse dado ordem de prisão à Família Real. O delegado respondeu-lhe, sendo ele seu superior militar, estava em melhores condições de o fazer”, disse.
Com mais de 80 barcos para a pesca da sardinha, o Porto de Pesca, junto ao qual foi feito o embarque, ocupava uma “centena de pescadores” e detinha uma importante actividade hoje praticamente inexistente e reduzida a dez embarcações, dando lugar aos barcos da pesca desportiva.
Na praia e no muro, onde ainda hoje visitantes e população avistam a costa, “havia muita gente a chorar pela Família Real”, refere o octogenário, justificando que a população “não estava politizada”.
“O povo acorreu todo ali e há até um termo de comparação que ficou para o futuro de que, quando se juntava aqui muita gente por causa de um naufrágio, “o Muro das Ribas tinha tanta gente como no embarque da D. Amélia”, lembra.
Cem anos após o acontecimento, ocorrido no mesmo dia em que foi proclamada a República (05 Outubro de 1910), as memórias da tradição oral entre a população da Ericeira vão-se desvanecendo no tempo, à falta de um monumento que o perpetue no futuro.
“Só há uma placa na capela [de Nossa Senhora da Boa Viagem], mas foi posta por um particular em 1960”, lamenta.
No centro da vila, nem mesmo a toponímia dá conta do acontecimento, uma vez que a Praça D. Amélia passou a Praça da República.
23.03.2010 - http://www.destak.pt/artigo/57951

1 comentário:

Nuno Castelo-Branco disse...

Retive duas coisas neste texto:
1. A atitude vergonhosa do tal militar, que como muitos outros estava logo disposto a mudar a casaca e a aconselhar o delegado a tomar uma atitude vergonhosa.
2. A frota pesqueira, outrora bem mais numerosa. Hoje em dia, de pouco ou nada serve.