É o regime republicano, ele próprio, “uma das principais causas” da
crise “económica e moral” que Portugal atravessa, isto porque os chefes de
Estado emanam da classe política e, como tal, “dificilmente serão aceites como
árbitros imparciais”. A crença é de Dom Duarte Pio de Bragança, o homem que
estaria hoje sentado no trono português, caso o regime cujo 103.º aniversário se
celebrou há dias não tivesse vingado. Um Rei sem coroa que ouvimos em entrevista
a pretexto da sua visita a Beja, para apadrinhar mais uma Festa Azul, a decorrer
ainda entre hoje e amanhã, sábado, no castelo da cidade, com organização a cargo
da Real Associação do Baixo Alentejo.
Texto Carla
Ferreira
Mais de um século depois
da implantação da República, que lugar ocupa a causa monárquica no nosso país?
Actualmente o movimento monárquico que eu reconheço é constituído
pela Causa Real representada pelas Reais Associações em todas as províncias ou
distritos e junto de algumas comunidades portuguesas no estrangeiro. Conta com
cerca de 10 mil associados de todas as origens sociais e económicas e com
opiniões políticas muito diversificadas, nomeadamente a nível partidário.
Segundo as sondagens de opinião, nos últimos anos a percentagem de portugueses
que prefeririam ter um rei a um presidente da república como chefe de Estado
variam entre 29 por cento e 40 por cento.
Como disse, os partidários do Rei como Chefe de
Estado têm opiniões políticas diversas. A Real Associação do Baixo Alentejo tem
trabalhado para o esclarecimento desta opção política mas também na defesa da
identidade cultural e do conhecimento da história do Alentejo. Também se tem
envolvido em iniciativas concretas de apoio a algumas obras de assistência
social e caritativas.
Visita Beja, novamente a pretexto da
Festa Azul, organizada pela Real Associação do Baixo Alentejo. Como acolhe esta
iniciativa?
É uma excelente ocasião para reencontrar os
monárquicos e simpatizantes da região, e de rever esta tão bela e tão simpática
cidade.
Em tempos de grande desencanto com a classe política
republicana, parece-lhe que há condições para um aumento de adeptos de um regime
monárquico, como alternativa?
Há muitas pessoas que têm dificuldade
em encarar as alternativas políticas de modo lógico e lúcido, porque vivem
agarradas a preconceitos, tradições familiares e informações erradas que
receberam na escola quanto ao que seria uma monarquia actual. Em vez de olharem
para as actuais Monarquias na Europa e no mundo, imaginam um regresso ao século
XIX ou mesmo à Idade Média. A ignorância e o preconceito são o grande obstáculo
para muitas pessoas perceberem que uma das principais causas da nossa situação
económica e moral deriva do próprio sistema republicano onde os chefes de Estado
fazem parte da chamada “classe política” e, por isso, dificilmente serão aceites
como “árbitros imparciais”.
Mesmo no contexto de uma
democracia moderna, continua a defender a linhagem, ao invés da
eleição?
As monarquias contemporâneas consideram que têm governos
republicanos e chefia de Estado real, ou seja, o poder político deriva da
eleição e o chefe de Estado é independente dos poderes económicos e políticos.
No entanto, tanto os povos quanto os parlamentos têm o poder de recusar o rei,
por referendo, ou alterar a Constituição e estabelecer uma chefia de Estado
republicana. Só em repúblicas pouco democráticas, como a nossa, a Constituição
impede que o povo escolha o seu futuro…
A casa real espanhola
tem estado, como nunca, sob a mira dos seus súbditos, que pela primeira vez
estão a questionar-se quanto a aspetos da vida pessoal e financeira dos seus
membros, até agora inatacáveis. Como vê a perda de popularidade desta monarquia
“irmã”?
É, obviamente, preocupante a situação espanhola, porque o Rei não conseguiu controlar as actividades do seu genro e parece que os seus
assessores financeiros também terão cometido falhas quanto à sua situação
fiscal. Não acredito que o rei tivesse acompanhado pessoalmente estes assuntos.
Parece óbvio, no entanto, que os independentistas catalães e bascos preferem uma
república para facilitar os seus objectivos políticos. Acredito que a juventude e
popularidade dos príncipes Filipe e Letícia possam reverter esta situação
perante a opinião pública. No entanto, os espanhóis não se esquecem que o Rei
dedicou a sua vida a Espanha, evitando graves conflitos internos, além de dar
prestígio internacional ao país. Graças à monarquia, a transição da ditadura
para a democracia realizou-se em poucos meses, sem perturbações políticas e
económicas.
Até que ponto foi essa transição em Portugal
prejudicada pela ausência de um Rei?
A república portuguesa demorou
vários anos a realizar essa transição e, no processo, destruiu boa parte da
nossa economia, provocou centenas de milhares de mortos e gravíssimas
destruições económicas nas então províncias ultramarinas, cujos povos sofreram
guerras civis durante anos para além da ocupação de Timor cujo povo sofreu um
genocídio. Isto foi o fruto da terceira revolução republicana em Portugal, a de
1974, de longe a mais mortífera e destruidora da nossa história. Desde a guerra
civil que opôs os liberais democratas (e o seu exército de mercenários ingleses)
ao governo tradicionalista e conservador da época, que o povo português não
vivia uma alteração tão radical. No Alentejo a vitória liberal teve como
consequência imediata a extinção das ordens religiosas, o confisco das suas
propriedades, e a sua transformação em latifúndios, que frequentemente passaram
a propriedade de capitalistas lisboetas… A obra cultural e social dos mosteiros
e conventos extintos ainda não é devidamente reconhecida, assim como as
consequências da sua destruição.
Bilac e Zambujo dão música à Festa
Azul
Arrancou ontem, simbolicamente no castelo de Beja, mais uma edição
da Festa Azul, organizada pela Real Associação do Baixo Alentejo e com o apoio
do Instituto Politécnico de Beja. O evento, que propõe para hoje, sexta-feira, a
Noite Azul (festa com dress code azul) e um espetáculo com Olavo Bilac, tem
também um pendor de solidariedade social ao fazer reverter parte das receitas
obtidas a favor da Caritas e dos alunos carenciados do IPBeja. Amanhã, sábado, o
encontro encerra com um concerto pelo fadista bejense António Zambujo. CF
Diário do Alentejo, 12 de Outubro de 2013
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