Chamado de “Rei sem reino” pelo diário espanhol El Pais, Dom Duarte Pio não fica à espera do trono que não chega e empenha-se em causas pessoais e projectos profissionais. Em entrevista ao HM, acusa o Governo português de não facilitar o investimento externo e diz que Macau ainda poderia ser de Portugal, se a República “tivesse sabido manter a política”
Esteve na MIF. Do que viu, que comentário faz à presença das empresas portuguesas?
Esta participação portuguesa é muito interessante. Macau tem a vocação de ser uma porta para as empresas lusófonas entrarem na China. Hoje em dia, uma empresa europeia, e portuguesa, tem a obrigação de tentar entrar no mercado chinês, mas tem de ver como o vai fazer. E para isso nada melhor do que os luso-chineses, como é o caso das famílias macaenses. Estou convencido que as empresas portuguesas têm de fazer parcerias com profissionais experientes de Macau para não fazerem fracas figuras. E também para não serem enganados, porque há vários casos de empresas que investiram na China e que perderam o rumo.
A que nível?
Desde ficarem com as tecnologias, capacidades produtivas. Até ficarem com a propriedade da própria empresa. E como a justiça ainda é muito politizada… as empresas portuguesas que se aventuraram na China sem terem especialistas locais saíram-se mal.
Há uma estratégia consolidada por parte do Governo para dar esse apoio?
O Estado Português tem sido sempre o maior obstáculo para os portugueses irem mais longe. Temos uma burocracia excessiva, em pessoas e métodos de trabalho, demoram muito tempo a dar as licenças. Espero que este Governo tenha uma atitude diferente do anterior e que consiga dar à economia portuguesa a competitividade que o Estado tem dificultado. É verdade que há empresas competitivas, com inovações tecnológicas interessantes, mas o Estado, em geral, só atrapalha. Mesmo as delegações oficiais no estrangeiro têm um papel ingrato, porque quando um estrangeiro quer saber o que encomendar em Portugal, os representantes têm muita dificuldade em dizer o que é bom e o que não presta. E também há empresas com coisas boas e com um mau serviço. Era preciso que as empresas de cada sector se unissem e tentassem trabalhar em conjunto. Neste caso [da MIF] começou a fazer-se. Porque estas empresas vêm em comum, trabalham em conjunto. Antes só tínhamos a Agência de Investimento e Comércio Externo (AICEP), que tem feito muito bem, mas também tem pessoas que muitas vezes não falam bem a língua do país e que são pouco motivadas.
Que expectativas ou anseios é que os empresários lhe transmitiram?
Há uma coisa que acontece há muitos anos, e que ninguém percebe, é o facto de Espanha exportar toda a carne suína e lacticínios para a China e Portugal não. A nossa carne até tem uma qualidade superior, e isso tem sido incompetência dos nossos governantes. Tenho aconselhado as empresas a irem para as províncias do interior da China, que são mercados enormes e onde há muito menos competição do que nesta zona litoral. Quem vem fazer negócios aqui devia preparar-se bem.
Falou da burocracia do Estado. De que forma é que as casas reais europeias podem ajudar a dinamização dos países a este nível?
Os países com reis e rainhas fazem sempre a diplomacia económica. Por exemplo, o príncipe Felipe de Espanha vai à América do Sul e faz um sucesso enorme. Uma posição completamente diferente da minha, pois temos um sistema republicano, e em principio é só o Presidente da República. Nem a mulher do presidente tem um cargo oficial. Mas é uma mais valia importante. Um dos países mais pequenos do mundo, o Mónaco, quando chega o príncipe Alberto (a um lugar) faz um sucesso, todos querem ouvir a sua opinião. Se for a filha do Presidente da República, ninguém liga nenhuma (risos).
Nesse sentido, Cavaco Silva tem desempenhado um bom papel?
Tem, tem, completamente. Tem usado muito do prestigio do cargo e do seu trabalho, e tem sido útil.
Vítor Sereno foi recentemente nomeado representante de Portugal no Fórum Macau. Foi uma boa escolha?
Parece uma pessoa inteligente e dinâmica, e estou convencido de que vai fazer um óptimo trabalho. Ser apenas cônsul-geral, apenas para resolver alguns problemas… como delegado económico tem mais iniciativa.
A sua estadia em Macau prolonga-se até Timor-Leste, onde vai participar num projecto do cariz agrícola.
O parlamento timorense deu-me a grande alegria de, no ano passado, dar-me a nacionalidade, de modo que agora tenho de acelerar a minha cooperação com Timor. O projecto é ajudar a dinamizar a agricultura rural e estabelecer uma cooperação com a Fundação Bambu, e pô-la a trabalhar com a tecnologia de Angola, aproveitando os contactos da Fundação Dom Manuel II, da qual sou presidente.
Essa Fundação pode vir a desenvolver projectos em Macau?
Podia ser. Mas o que acontece é que a Lei das Rendas em Portugal torna a rentabilidade dos edifícios muito baixa. E o capital da fundação são edifícios, que rendem pouco. Não temos muito capital disponível. Mas fazemos sobretudos projectos agrícolas, onde não é possível investir muito. Fazemos os estudos e procuramos entidades que possam financiar a sua aplicação. Macau tem uma situação diferente, com mais desenvolvimento do que muitos outros países da CPLP.
Ainda sobre Timor. Qual o rumo que deve tomar em prol do desenvolvimento?
O Governo timorense tem sido extremamente prudente e evitado cair na armadilha em que a maioria dos países cai, que é: quando têm dinheiro, gastam-no. Infelizmente os governos portugueses fizeram isso com o dinheiro da União Europeia (UE). Gastaram-no em coisas que não produzem riqueza: auto-estradas, Expo’s, tudo quanto é obras de luxo. A nossa Administração Pública em Portugal gasta 80% do orçamento para pagar aos funcionários e as suas reformas. E 50% da riqueza produzida é para pagar o Estado. Timor tem evitado cair nessa armadilha: só usa rendimentos do fundo soberano, financiado pelo petróleo e gás. Por isso o país tem-se desenvolvido devagar, evitando o desequilíbrio na sociedade. É um erro fazer um grande desenvolvimento das cidades e deixar a população rural com uma grande ambição de viver nas cidades. Isso seria fatal. Mas é interessante que do ponto de vista educativo, Timor está bastante bem, tem muita gente qualificada, e devia favorecer a implementação de negócios lá.
Se fosse Monarca neste momento, quais seriam as suas ideias políticas para Portugal?
Nas monarquias europeias o rei é Chefe de Estado mas não governa. O Rei, na Europa, deve dar o exemplo, encorajar o que é feito de bom no país. E discretamente, sem atrapalhar publicamente o Governo, avisar dos desvios que são feitos. Normalmente, os reis no mundo têm um conhecimento muito mais amplo das realidades do país e das políticas. As pessoas têm lealdade para com o seu rei, a mesma que não têm para com um político. Os políticos, por melhores que sejam, têm um objectivo óbvio, que é serem reeleitos. Os que não são sérios querem enriquecer. Ora um rei não precisa de enriquecer, porque já tem mais que suficiente, e também não precisa de votos. Quanto muito, tem de enfrentar um referendo. Felizmente ainda só houve um na Austrália, em que a rainha ganhou.
Poderia haver um resultado semelhante em Portugal?
A última sondagem deu que 40% dos portugueses dizem que não são republicanos. O que são, não dizem, podem ser anarquistas (risos). Se um dia houvesse um referendo acho que tinha possibilidade de ganhar.
A crise económica levou os portugueses a pensar que a Monarquia pode ser uma solução?
Enquanto as pessoas estavam tranquilas, com o seu salariozinho… porque em Portugal trabalham-se 11 meses e ganham-se 14, uma coisa que deixa os estrangeiros muito admirados, sobretudo os americanos, o problema não se levantava muito. Mas agora que todos acham que estão mal, é altura de se estudarem medidas e ver em que medida é que o sistema republicano não tem uma grave responsabilidade. Porque esta já é a segunda falência republicana. A primeira foi em 1926, que levou à ditadura militar e ao Governo de Salazar. E agora a terceira República chegou também à falência. Mas teve a possibilidade de pedir emprestado, à malfadada Troika. Se não fosse a Troika a socorrer-nos o Estado não conseguia sequer pagar os salários da Função Pública.
Como vê a Macau de hoje?
A nossa Administração teve defeitos, mas é importante lembrar o que foi feito de bom.
Como por exemplo?
Ficou uma memória histórica de dois povos que souberam cooperar em beneficio mútuo durante 500 anos. Um dos grandes papéis que Macau pode desempenhar é ajudar os chineses percebam as ligações de amizade entre os dois povos. Estou convencido que se tivesse havido mais diplomacia da nossa parte provavelmente tinha-se podido continuar ainda muito tempo no estado de território chinês sob Administração Portuguesa. Mas a nossa República não foi capaz de continuar com a política.
Fala-se imenso de Macau hoje em Portugal, ao nível empresarial. A importância poderia ser maior?
É muito importante, para um português ou um europeu, chegar aqui e encontrar instituições ocidentais, leis claras e fáceis de perceber.
Há pouco falava da forma como o património local é retratado na imprensa em Portugal. Ainda há um grande desconhecimento por Macau?
95% dos portugueses nunca veio a Macau. Mas os portugueses ganhariam muito em vir mais cá, ficar uns dias aqui, é uma revelação, uma grande alegria cultural que um português tem ao chegar aqui. Conseguir chegar aos bairros históricos é um efeito fantástico. Podia haver mais turismo português aqui.
Foram conhecidas as medidas preliminares para o Orçamento de Estado de 2014 em Portugal. Que análise faz?
Os impostos são um erro económico tremendo, sobretudo ao incidirem sobre a produção. Sobre o consumo, é maçador mas não tem efeitos graves. Mas tudo o que venha a encarecer a nossa produtividade é altamente prejudicial, porque ficamos menos competitivos no estrangeiro. Mas por causa das intervenções, que acho totalmente disparatadas e fora de contexto, do Tribunal Constitucional, as economias que o Estado deveria fazer não puderam ser feitas. E como 80% do orçamento é para a Função Pública, e o Estado gasta 50% da riqueza, para haver uma diminuição dos gastos do Estado não há outro caminho a fazer.
Não há, de facto?
Gostava que o doutor Seguro, do Partido Socialista, dissesse claramente qual é a alternativa que propõe. Há que renegociar a dívida: a quem devemos ir não quer renegociar. E adianta o quê? Pagamos mais anos e mais juros. Diminuir os custos do Estado: mas onde? O Estado habituou-se a ser uma imensa máquina para dar tachos e empregos a pessoas que, muitas delas, não se sabia o que faziam.
Muito facilitismo e interesses?
Conheço muitos altos funcionários que simplesmente não fazem nada. Outros que estão de baixa há anos e recebem o seu vencimento. Outros que estão deprimidos por não fazerem nada e por se sentirem inúteis ficam doentes por causa disso. Estamos num Estado que nasceu de uma matriz Marxista – a ideia dos comunistas era que o Estado dava emprego a toda a gente e não havia desemprego. O Estado português aplicou esse conceito mas paga mais do que a nossa produtividade permite.
José Eduardo dos Santos, presidente angolano, recuou nas relações estratégicas com Portugal. Que comentário faz?
É mais uma vez os juízes portugueses a quererem viver no mundo ideal e desligados da realidade. Processar políticos por eventuais crimes que não prejudicaram nada Portugal, quando muito prejudicaram foram os próprios políticos, não faz sentido. Um juiz português deve defender os portugueses, e estão preocupados com questões que os angolanos é que têm de resolver. Por causa dessa vontade exibicionista de prestígio, dada pelos juízes, acabaram por criar um enorme problema político para Portugal, e económico sobretudo. E isso é uma falta de inteligência muito grande. Dizem “não se pode criticar a justiça”. Não sei porquê. Tenho um enorme problema com a justiça, porque tenho os meus bens embargados há cinco anos por causa de um indivíduo desonesto que apresentou uma queixa contra mim e o tribunal aceitou e disse que, em caso de dúvida, embargava tudo.
Foi o que acabou por acontecer.
Tenho os meus bens embargados por uma questão de ninharia.
Os bens são da Casa Real Portuguesa?
São meus, pessoais. Os bens que eram da Casa Real, da minha família, foram nacionalizados pelo Governo do doutor Salazar que os transformou na Fundação Casa de Bragança. O que tenho foi alguma coisa que sobrou e o que ganhei por mim próprio. É pouca coisa, mas é o que tenho. E se o Estado português fica com os meus bens, depois de já ter ficado com o resto que era da família, acho muito disparatado e injusto. Além disso, todas as missões que tenho feito ao estrangeiro, ao serviço do Estado português, foram inteiramente pagas por mim, com o apoio de algumas embaixadas. Mas é estratégico e não financeiro. Nunca recebi nenhum pagamento do Estado português. Só recebi o meu vencimento de piloto da Força Aérea (risos).
Mas considera que deveria receber?
Não. Em algumas missões mais complexas, talvez. Mas sempre achei preferível que não se colocasse a hipótese. Dá-me uma liberdade muito maior.
Fala muito com o seu filho, Infante Dom Afonso (Herdeiro) sobre as questões da actualidade?
Falamos todos, ao jantar, nos fins-de-semana. Eles interessam-se e discutem. Tanto a Isabel (Herédia) como eu tentamos que eles saibam a verdade das coisas para além das mentiras oficiais contadas nos jornais, que são recados políticos. Espero que eles trabalhem sempre em equipa e que se ajudem uns aos outros. Profissionalmente, as grandes paixões do Afonso são as ciências do ambiente e biologia. Também se interessa por filosofia.
Fonte: hojemacau
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