Há alguns anos que tenho andado um pouco inquieto e preocupado, para não dizer irritado. O que, de há uns tempos a esta parte, se tem passado neste país, no que respeita a comemorações de datas, acho que é suficiente para sentirmos aquele estado de alma. Expliquemo-nos.
Vim ao mundo num tempo em que a república só ainda não tinha barbas porque é representada por uma figura feminina. Talvez por isso, durante muitos anos, nunca me interroguei se seria republicano ou monárquico, deixando-me conduzir pela lógica do meu nascimento: seria republicano porque nasci no tempo em que a república já era aceite como a coisa mais natural deste mundo. Estou convicto de que a muitos dos meus compatriotas terá acontecido o mesmo.
Mas, ultimamente, tenho meditado muito sobre o assunto e comecei a interrogar-me sobre qual será o melhor sistema para a democracia e o desenvolvimento do país. Encontro-me num ponto em que admito que qualquer deles poderá servir, dependendo o êxito ou o fracasso de cada um deles do comportamento dos políticos e do povo que somos.
No entanto, o que me faz hoje vir abordar este tema é que começo a estar farto da comemoração do cinco de Outubro e dos moldes em que ela se desenvolve.
Para início do mote, tomo a liberdade de perguntar : – Justificar-se-á que ainda se mantenha o 5 de Outubro como feriado nacional? Para uns, sim; para outros, não – como é normal nestes casos. Alinho pelos que vão pela negativa. Feita esta afirmação com tanta frieza e, segundo o entender de alguns, tanto descaramento, bom será que me justifique para satisfazer a natural curiosidade de algum leitor que ainda não desistiu de acompanhar a dissertação da crónica.
Ora, de 1143 a 1910, decorreram setecentos e tal anos, o tempo em que Portugal foi uma Monarquia. Considerando já o próximo ano, a nossa estimada república completará um século de vida. Ou nem tanto, se considerarmos o tempo da ditadura, (1926 a 1974), em que, em boa verdade, não foi uma coisa nem outra. Ditadura é ditadura e o resto é cantiga.
Vem esta menção aritmética a propósito de se pretender demonstrar que o tempo monárquico vence o tempo republicano por 7 a 1, o que , em termos futebolísticos, costuma designar-se por uma estrondosa derrota para a república.
Após estas primeiras considerações, seja-me permitido expressar de modo mais explícito o que pretendo transmitir.
O que está em causa nem é comemorar o aniversário da implantação da república. Ponho reservas, isso sim, ao triunfalismo exibido, à agressividade manifestada, ao apoucamento mesquinho, às acusações sórdidas, aos achincalhamentos impudicos, como se todos os malefícios que nos vão atingindo tenham origem no facto de termos tido, ao longo de vários séculos, um sistema político monárquico.
Até porque hoje já nos habituámos, no dia a dia, a uma convivência natural, salutar e democrática, (e não digo tolerante porque não temos nada que nos tolerar neste campo), já que somos todos membros da mesma pátria. Passado este século republicano e fazendo uma retrospectiva honesta e sincera, havemos de concordar que em ambos os regimes se fizeram boas obras e se cometeram muitos erros, pela simples razão de que, quer um sistema quer o outro, são interpretados por homens.
Olhando o mundo da Europa Ocidental em que, por uma questão geográfica e cultural, nos inserimos, nada demonstra que o bem-estar, o progresso e o desenvolvimento – seja ele de que natureza for –, dependam essencialmente de ser republicano ou monárquico. E, se bem repararmos, talvez notemos que estes têm alguma vantagem sobre aqueles. Não me consta que aqui a vizinha Espanha esteja, apesar da sua Monarquia, menos desenvolvida do que o nosso Portugal, e até, segundo rezam as estatísticas, está uns bons furos acima de nós. Não quero com isto dizer que se tivéssemos uma Monarquia a coisa seria diferente ou ao contrário.
Felizmente, a liberdade está instalada entre nós. Bom será que saibamos aproveitar as virtualidades que ela contém e não a deturpemos, dando-lhe um uso que a possa transformar em geradora de pequenos e iluminados ditadores de meia tigela.
Não queiram os que se dizem republicanos dogmáticos reescrever a história alterando-a ao ponto de afirmarem que quem lutou, sofreu e morreu para conseguir a consolidação territorial do país foram os republicanos. Ou que foram também eles que se entregaram à ingente e heróica aventura dos descobrimentos, que fizeram de Portugal um país diferente no contexto das nações já existentes na época ou formadas no futuro. Ou que foram os republicanos que fizeram a revolução do 1º de Dezembro de 1640, com muitos e muitos sacrifícios à mistura com umas tantas traições. Ou que foram os republicanos que criaram e consolidaram a mais velha nação do mundo, em termos territoriais. E não vamos enveredar por argumentações falaciosas, porque telhados de vidro todos o regimes políticos têm.
Passada a bagunçada do recente período eleitoral – nunca se foi tão baixo como desta vez! – estou tentado a registar, com alguma simpatia, o que terá dito o Rei de Espanha, D. Juan Carlos, ao socialista, Filipe Gonzalez, quando o nomeou para formar o futuro governo : – “Sei que os socialistas espanhóis são republicanos, mas não se preocupem por termos hoje uma Monarquia, pois zelarei para que a constituição seja respeitada, e, além disso, a Monarquia tem pelo menos uma vantagem sobre a República: não é necessário andar, de cinco em cinco anos, a gastar dinheiro em campanhas eleitorais, nem pôr os espanhóis a atacarem-se uns aos outros para eleger um novo presidente da república…” Frase bem humorada, mas, convenhamos, com alguma lógica no conteúdo.
É bom que termine, não venha aí algum republicano a insultar-me e, quem sabe, até a apodar-me de traidor.
Mas sempre vou dizendo que, enquanto se continuar a comemorar o 5 de Outubro nos moldes em que tem sido até aqui, insultando maléfica, injustificada e estupidamente a Monarquia, vou-me mesmo pela adesão a esta.
Querem comemorar os aniversários da república (que foi imposta e não referendada, nem na implantação nem “à posteriori“), pois que o façam. Mas com dignidade e respeito pelos que têm concepções diferentes sobre a melhor forma do sistema governativo. O que interessa é que, em qualquer deles, seja dada liberdade ao povo para escolher os que nos hão-de governar, ou até desgovernar, como por vezes acontece…
Para comemorar o nosso aniversário, não vamos, com certeza, começar a desrespeitar ou a vilipendiar os nossos ascendentes. Era o que faltava! Para vergonha, já chega o que por aí vai.
Vem aí o centenário da imposição (implantação) da república, já no próximo ano. Pois que se festeje, mas com elevação, dignidade, nobreza e equilíbrio emocional. E, acima de tudo, com respeito pelos heróis monárquicos que nos legaram, ao longo de muitos séculos, o orgulho de sermos portugueses. E, se assim acontecer, quem sabe se não voltarei a virar-me para o republicanismo? Não prometo nada, mas todos sabemos que, nisto da política, a histrionia e o mimetismo andam muito aconchegadinhos para ajudarem os oportunistas no seu calculismo para o proveito próprio. Não me tenho nessa conta, mas nunca se sabe… - A. Pires da Costa -Crónica escrita para o semanário albicastrense “ RECONQUISTA” e publicada em Outubro de 2009 -
Fonte: Gente Maior
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