Intervenção a 23/5/13 no III Congresso Dos Mares da Lusofonia no Brasil
Lusofonia
Julgo que não devo entrar na matéria já tão brilhantemente evocada pelas comunicações que tivemos o prazer de ouvir nestes dias, mas gostaria de partilhar convosco uma história verdadeira sobre as origens da lusofonia.
No longínquo ano de 1934, Fernando Pessoa respondera a um inquérito sobre Portugal, afirmando que o país tinha condições para ser uma grande potência construtiva ou criadora, e que para o destino que presumo que será o de Portugal, as colónias não são precisas…
Atraído por estas sábias afirmações, um jovem professor chamado Agostinho da Silva iniciou com Fernando Pessoa uma série de encontros no café Martinho da Arcada, no Terreiro do Paço, em Lisboa, de onde veio a nascer a palavra lusofonia, muito natural para o poeta que escrevera a minha pátria é a língua portuguesa. Tal como o brasileiro Padre António Vieira e muitos outros desde os Reis Dom Dinis e sua mulher a Rainha Santa Isabel , acreditava ele que o Império político português tinha como missão dar origem ao Império do Espírito Santo , que seria uma época de fraternidade universal .
Exilado no Brasil por motivos políticos, Agostinho da Silva espalhou esse credo lusófono entre personalidades que se vieram a revelar determinantes para o grande país irmão, como foram Juscelino Kubistchek, Oscar Niemeyer, Itamar Franco e Aparecido de Oliveira.
Sobretudo devido à ação do embaixador José Aparecido de Oliveira, foi fundada em Lisboa, em 1996, a Comunidade de Povos da Língua Portuguesa. Assim foram precisas duas gerações, 60 anos, para que os encontros entre Fernando Pessoa e Agostinho da Silva redundassem nessa grande instituição. Mas a comunidade lusófona vem de muito mais atrás.
A expansão de Portugal foi a condição da existência da comunidade lusófona. O pequeno povo português, nos fins da Idade Média lançou-se na aventura dos descobrimentos.
Esse encontro de povos e culturas que semeou o diálogo universal ficou assinalado no estandarte pessoal do rei D. Manuel I com o mesmo símbolo que D. João VI usou na bandeira do Reino Unido de Portugal e Brasil , e que chegou até nós: a esfera armilar.
Essa circum-navegação da terra, essa primeira globalização, veio a descobrir que o ser humano é um ser que troca experiências, bens materiais e bens espirituais. E a consequência desse processo foi a emergência de um espaço plural de Povos, Culturas, Estados, Igrejas e Comunidades, a que chamamos hoje a Lusofonia ou Lusosfera.
Antes de mais, a Lusofonia é uma comunidade de afectos e valores espirituais.
Os lusófonos enviam os seus sinais de afecto através da literatura, da música, da gastronomia, e de mil outras expressões com que partilham os seus gostos, e os seus sentimentos, frutos de uma convivência secular .
Em segundo lugar, a lusofonia é uma comunidade de interesses. Interesses que têm o seu ponto alto nos mares que nos unem, desde o Atlântico ao Índico, e interesses que se podem alargar a muitas atividades económicas. A natureza bafejou os povos lusófonos com grandes riquezas materiais como sejam as jazidas de petróleo e do gás natural e também as grandes produções agrícolas nos continentes onde se fala português.
Finalmente, a lusofonia é uma comunidade de políticas desde que em 1996 foi criada a Comunidade de Povos da Língua Portuguesa. As oito nações que atualmente a constituem procuram convergir para objectivos políticos. Muito ainda há por fazer neste caminho até que verdadeiramente exista uma política externa lusófona comum, alicerçada em interesses e animada pelos afectos …
Nao posso esquecer os nossos irmãos galegos que falam “o Português da Galiza” , origem do Português moderno, e que querem aderir à C.P.L.P. como região autónoma espanhola.
O fundamento dessa rede é tanto acreditar que valeu a pena o investimento português de criação de senhorios de conquista, de navegação e de comércio durante a Expansão, como saber que o relacionamento mútuo das comunidades lusófonas se foi ajustando às realidades dos tempos.
Hoje em dia, face aos estados de Portugal, Brasil, Cabo Verde, Guiné, S.Tomé, Angola e Moçambique e Timor e aos mais que se hão-de reunir, Portugal é, como escreveu o angolano Costa Andrade, um dos heterónimos sem ortónimo. Luís de Camões e Fernando Pessoa vivem a par da poetiza galega Rosalia de Castro , Jorge Amado e Machado de Assis, e também de Agostinho Neto e Luandino Vieira, e de muitos, muitos outros escritores dos países e comunidades onde se fala português.
Comunidade de afectos, comunidade de interesses e comunidade de políticas são os três segredos da lusofonia que devemos cultivar e procurar que coincidam através de iniciativas como este Congresso dos Mares da Lusofonia.
Nascida da globalização iniciada pelos descobrimentos e na aventura do encontro de outros povos e culturas, a lusofonia é hoje pertença de todos os povos que a compõem, e de todos eles esperamos o melhor contributo, como estes que aqui hoje escutámos.
Em meu nome e em nome do Instituto dos Mares da Lusofonia quero manifestar a nossa profunda gratidão à Marinha de Guerra do Brasil , ao Senhor Vice Almirante Armando de Senna Bittencourt e aos seus eficientíssimos colaboradores , pela magnífica organização deste Congresso e pelo modo tão caloroso como nos acolheram!
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