terça-feira, 5 de abril de 2011

S.A.R., DOM DUARTE: "COMO NÃO PRECISO DE VOTOS, DIGO O QUE PENSO"

O Duque de Bragança não conseguiu conter a emoção ao caminhar pelas ruas da cidade histórica de Ouro Preto, em Minas Gerais, classificada como Património Histórico e Cultural. "A arquitectura daqui é muito parecida com a dos Açores", disse admirado. No bairro português da cidade, Dom Duarte conheceu a Igreja do Pilar, construída, em 1733, em cuja capela-mor figura uma peça de entalho do português Francisco Xavier de Brito. Já em Mariana, Dom Duarte e Dona Isabel encantaram-se com a Catedral da Sé, que ostenta uma raridade: um órgão Arp-Schnitger que foi encomendado por Portugal à Alemanha, em 1701. O órgão foi prometido por Dom João V ao primeiro Bispo de Mariana e foi-lhe enviado em 1753 por D. José.
A visita de Dom Duarte Pio a Minas Gerais, a convite do empresário português Neiva de Oliveira, foi intensa. No final, em entrevista à VIP, falou sem reservas começando mesmo por dizer: "Como não preciso do voto de ninguém e o meu título não tem cotação na Bolsa, digo o que penso."
VIP-O que mais o impressionou nesta visita às cidades históricas brasileiras?
- O aumento de consciência por parte das autoridades mineiras da necessidade de preservação do património. Há que ter em consideração que são cidades vivas. As pessoas querem tornar as casas mais confortáveis, mas têm dificuldades em mante-las e preferem vendê-las para construir prédios. Perante este conflito de interesses, há que ter bom senso, respeitar aquilo que nos interessa e, ao mesmo tempo, saber respeitar os interesses dos habitantes. Aquilo de que gostamos ao visitar uma cidade histórica é fazer uma viagem no tempo.
VIP-Quais os erros mais graves que se cometem no ensino da História do Brasil? - Muitas das dificuldades que surgem no relacionamento entre o Brasil e Portugal têm a ver com o ensino errado da História. Por exemplo, a população de origem africana tem, com toda a razão, um grande ressentimento pela maneira como os seus antepassados foram tratados, como escravos. Só que Portugal e o Brasil são os únicos países do Mundo, que eu saiba, que tiveram uma legislação de protecção dos escravos. Aqui, em Ouro Preto, há uma igreja lindíssima que foi construída pela confraria de escravos. O que prova que a população escrava tinha direitos cívicos e uma capacidade humana de organizar uma confraria tão rica que conseguiu fazer uma igreja lindíssima e que essa confraria tinha a função de corporação. Hoje não se sabe isso porque não se ensina. Só se fala das horríveis maldades.... Tais como... O que se fala de Tiradentes, que é o grande herói do Brasil e um dos primeiros que lutaram pela independência. Aliás, pela república também. É um herói pelos seus ideais. Mas Tiradentes foi enforcado e é referido sempre com essa envolvência dramática. O que ninguém diz é que Dona Maria l o tinha amnistiado mas que a amnistia chegou tarde demais ao Brasil. Não havia fax naquela altura (risos). Perante a lei da época, o que ele queria fazer, construir a República de Minas Gerais, era gravíssimo porque era uma tentativa de separar um território de Portugal e até do Brasil. Era a máxima das traições. Se isso fosse conhecido diminuiria aquele ressentimento que surge muitas vezes. O meu próprio antepassado, Dom Pedro, que decretou a independência do Brasil.
VIP-não concordou com o que ele fez?
- Se ele tivesse mantido o projecto de Dom João VI, de reino unido, hoje o Brasil teria um território associado na Europa e dois em África. Infelizmente, isso não foi possível. Houve erros graves portugueses. Mas, há que moderar o sentimentalismo histórico ou a politização da história e tentar estudar as realidades tais como elas eram na época.
VIP-O intercâmbio sociopolítico, económico e cultural entre Brasil e Portugal poderia ser maior?
- É muito insuficiente. Ficou-se pela parte da cultura abstracta. Há alguma cooperação - da Fundação Gulbenkian e do Ministério da Cultura português com instituições de restauro do património no Brasil. A cooperação deveria ser reforçada e ter uma visão de futuro. Portugueses, espanhóis e brasileiros deveriam traduzir para as suas línguas as novas tecnologias. O uso de expressões inglesas em tudo o que é nova tecnologia e informática é um erro e uma forma de colonialismo cultural. A nível editorial já vem sendo feita alguma coisa mas, se os portugueses não têm a menor dificuldade em entender os brasileiros, o inverso nem sempre acontece.
"Se os portugueses
não têm a menor
dificuldade em entender
os brasileiros, o inverso
nem sempre acontece"

VIP-Neste momento qual é a imagem do Brasil em Portugal?
- É muito boa, embora haja um aspecto de intercâmbio cultural mais negativo, que são algumas novelas moralmente negativas e destrutivas, que estão a invadir o País. Mas isso é culpa das nossas televisões, que as compram. Do ponto de vista económico e cultural existe uma visão muito positiva. Claro que surgem problemas devido à nossa integração na União Europeia. Hoje, as fronteiras portuguesas são as da União Europeia e as perspectivas de entrada de pessoas de fora são menores. Isso cria problemas complicados e, por vezes, mal resolvidos.
VIP-Como analisa o actual momento político-económico português?
- Acho que, às vezes, caímos numa atitude de deslumbramento perante a União Europeia. Não temos uma visão fria e crítica e aceitamos tudo. Temos que descobrir que as nossas raízes culturais estão intimamente ligadas ao mundo de língua portuguesa. Por isso, esse deslumbramento é uma coisa que me preocupa. Economicamente está a correr bem, as pessoas estão satisfeitas. Há uma tendência para gastar dinheiro em artigos de luxo e não resolver problemas fundamentais. Por exemplo, fazem-se grandes obras como a Ponte Vasco da Gama, que não tem utilidade que justifique o investimento feito.
VIP-E que problemas fundamentais há por resolver em Portugal?
- Primeiro, um grande atraso na formação técnico-profissional, depois o sistema de saúde, que embora sendo bom implica uma grande espera. A agricultura está abandonada, em vias de falência. O abandono do interior devido à pioria das condições de vida e falta de emprego. A desertificação do interior é uma consequência de um desvio da democracia. Porque interessa ao poder político investir onde vai ganhar mais votos. Por fim, a falta de apoio na divulgação da língua portuguesa na Guiné, e Moçambique, em Timor. Não custava nada a Portugal e ao Brasil enviarem livros para estes paises
VIP-Em que pé está a causa timorense?
- É o caso mais grave do ponto de vista moral da chamada descolonização. Enquanto os outros, mal ou bem, são hoje tecnicamente países independentes, Timor é um território português sob ocupação estrangeira. Infelizmente, o resto do Mundo está pouco preocupado com isso. Espanha e o Brasil, para falar de países mais próximos de Portugal, negoceiam com a Indónesia e não a pressionam para ter um comportamento mais correcto em relação a Timor. Devíamos convencer os países nossos amigos a serem mais activos. O nosso ministro dos Negócios Estrangeiros tem feito um bom trabalho, mas não o suficiente.
VIP-Qual a importância da religião nos dias de hoje?
- É importante que sigamos a nossa igreja e não andemos atrás de um qualquer fala-barato que vende um produto pseudo-religioso, que muitas vezes é só um negócio ou uma fraude completa. Apesar dos defeitos, erros e pecados da Igreja, como qualquer outra instituição, esta provou, em dois mil anos, que foi benéfica para a Humanidade.
VIP-Quais os princípios básicos que leva em consideração na educação dos seus filhos?
- Valores básicos éticos, morais e também religiosos, de forma a darem-llhes uma estrutura e, a partir daí, podem desenvolver as suas capacidades e perceber os seus interesses. Depois, os pais têm de dar o exemplo de coerência.
VIP nº 62 de 23 a 29 de Setembro de 1998
Fonte: Monarquia

Sem comentários: