As comemorações ocas dos 100 anos da R. tiveram um efeito inesperado: o movimento monárquico está mais forte. Eis uma pequena entrevista com um membro da direção da Causa Real. No mainstream português, o monárquico é um bicho semi-fascista que come democratas ao pequeno-almoço, enquanto se prepara para cantar um faduncho reacionário. Mais: neste mito, os monárquicos pensam todos da mesma maneira, como se fossem comunistas-que-vestem-de-azul. Como é óbvio, os monárquicos de carne e osso não são bem assim. Para compreender melhor esta realidade, resolvi fazer uma pequena entrevista com um membro da direção da Causa Real, João Távora, um dos bloggers mais civilizados da nossa praça.
É impressão minha, ou o movimento monárquico ganhou força nos últimos anos? (Pelo menos, nas redes sociais já são um pequeno exército). - Sim, parece-me que a Monarquia ganhou fôlego com o centenário da república . Depois, a Causa Real presidida pelo Paulo Teixeira Pinto trouxe algum pragmatismo, e a direção da Real Associação de Lisboa, que tomou posse há 18 meses, começou a usar as vantagens da Internet e algum profissionalismo na estratégia de comunicação. E, claro, tudo isto deve ser enquadrado na actual degradação da situação política, que tem revitalizado um pouco a nossa (pobre) Causa. Mas, por outro lado, temos limitações muito concretas: a Causa Real e as Reais Associações, não se constituindo como forças políticas de governação, não elegendo autarcas, deputados ou presidentes (apesar do forte suporte social que detêm), sem aspirações a serem clientes da república, lutam com enormes dificuldades de financiamento e patrocínio por parte dos grandes lobbies e empresas.
Não deixa de ser curioso: este crescimento é feito sem o PPM (Partido Popular Monárquico). Esse partido está morto? - O PPM atingiu uma completa insignificância nacional enquanto partido, o que é uma vergonha para a memória de alguns dos seus fundadores. Mas o facto é que esse partido é um contrassenso, dado que a instituição real é suprapartidária: não se pode exigir aos numerosos simpatizantes da monarquia em Portugal que se unam à volta de um mesmo partido, quando a única causa que os une é a fórmula da chefia do Estado (e talvez as cores da bandeira nacional). No resto, divergem em quase tudo, desde a política e a economia até aos costumes.
Por vezes, tenho a impressão de que os monárquicos de hoje repetem o erro dos republicanos de 1910. Ou seja, acham que basta trocar de regime (o Rei no lugar do presidente) para que tudo fique melhor. Não acha que muita gente tem esta ilusão? - Concordo que há esse perigo: não nego a evidência de que os grandes males de que Portugal padece são profundos, e estão a montante da forma do regime. Os portugueses continuam viciados no assistencialismo e pouco atreitos a responsabilidades, parecem conformados com um medíocre destino cuja perspetiva não passa do amanhã. Cabe aos monárquicos, dentro das instituições existentes do sistema, estar a favor da mudança e do futuro do país, usando a liberdade que esta república, apesar de tudo, proporciona. Eu defendo a criação dos núcleos monárquicos dentro dos partidos, mas eles têm muito medo de descentrar as "agendas". Só assim se entende como diversas personalidades políticas simpatizantes da monarquia e dispersas pelos vários partidos, algumas de grande craveira e capacidade de influência, sejam tão prudentes na afirmação das suas convicções monárquicas. Mas ainda há outro perigo: os monárquicos para quem a Causa não faz sentido sem uma colagem a uma ideologia política, normalmente ultraconservadora e que mistura outras vertentes como a religião e valores existenciais. Isso reduziria o sonho a um nicho de patuscos. São planos que urge separar!
Tem a noção de que, aos olhos da grande maioria das pessoas, esses "patuscos" são os "monárquicos"? - Tenho a noção de que há um grande trabalho de comunicação a fazer. O preconceito e a ignorância são barreiras muito difíceis de se ultrapassar. Não se resolve numa geração, só com muito trabalho, sobriedade e coerência. Necessitávamos como de pão para a boca de uma nova geração de grandes referências intelectuais, como aquelas que tivemos no século XX.
Henrique Raposo - Expresso de 08-10-2010
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