FALTA DE SENTIDO PATRIÓTICO E DE DIGNIDADE DO ESTADO
João Mattos e Silva *
Qualquer Nação que se preze venera os seus heróis. Vejam-se as nações mais modernas: os Estados Unidos da América ou o Brasil, por exemplo, que não perdem um feito, que não esquecem uma data relevante para a sua afirmação nacional, que elevam aos “altares da pátria” quem contribuiu para a sua independência, ou as suas conquistas ou, pelo menos, o engrandecimento do País perante o mundo. E não é para “tapar com a peneira”, como dizem os nossos irmãos brasileiros, os erros, os crimes, os momentos menos felizes da sua vivência colectiva. É para apontar exemplos aos seus concidadãos, é para suscitar orgulho na sua nacionalidade, é para cimentar o amor pela terra em que nasceram e pelo povo a que pertencem, sem o qual não há sentimento de serviço nacional e sentido de cidadania.
Por essa Europa fora assiste-se, entre as nações mais velhas do velho continente, ao culto dos heróis nacionais, que não se fica apenas pelas celebrações das efemérides oficiais, mas se revela no estudo das suas biografias, das épocas históricas em que se afirmaram, dos feitos que cometeram, ou obras que realizaram, empenhado o Estado em fomentar e em apoiar todas as iniciativas.
No Portugal desta III República não. Os únicos heróis, cujos feitos parecem comover quem está à frente do Estado, parecem ser os revolucionários do 5 de Outubro, mesmo os carbonários que assassinaram um Rei, um Príncipe Real e um Presidente da República, ou os do 25 de Abril. E nem todos. Para muitos dos que nos têm governado ou são candidatos a governar, a História de Portugal começou em 1974. Quando muito em 1910. Dir-se-á que é uma reacção natural à II República que usou e abusou dos heróis nacionais e dos feitos históricos do passado para construir e justificar o regime autoritário que instituiu. Fraca desculpa, quando sobre o fim desse período da história do regime republicano já passaram trinta e cinco anos!
A Igreja Católica, pela vontade do seu Pontífice máximo, o Papa, e depois de um processo de séculos que Espanha entravou por razões exclusivamente políticas, decidiu canonizar - com base numa cura cientificamente inexplicável, comprovada por homens da ciência, muitos dos quais não católicos, que foi atribuída à sua intercessão - o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, Beato Nuno de Santa Maria desde 1929, herói da independência nacional na crise de 1383-1385.
Reconhecido e aceite pelo povo como santo, ainda em vida, D. Nuno Álvares Pereira destacou-se pela sua devoção como cristão, pelas atitudes, que hoje diríamos humanitárias, e são afinal fundamentalmente cristãs, face aos inimigos de Portugal que combateu, pelas doações do seu imenso património que fez aos mais humildes dos seus companheiros de armas e aos mosteiros que acolhiam os pobres, pelo despojamento e humildade que demonstrou quando decidiu de tudo prescindir, no auge do seu poder e da sua glória, e entrar na Ordem do Carmo, para prosseguir o seu aperfeiçoamento espiritual e servir os que nada tinham.
Sem a acção militar de D. Nuno Álvares Pereira, enquanto comandante dos exércitos portugueses, sem o seu sentido de estratégia e sem as tácticas que fez adoptar face a um adversário muito mais poderoso e numeroso, sem a sua determinação patriótica, que chegou a roçar a desobediência ao Rei, Portugal poderia ter perdido a sua independência face a Castela e aos reinos ibéricos. A História poderia ser bem outra.
Anunciada a canonização pela Santa Sé, qual foi a posição do Estado e dos partidos portugueses? Um tímido comunicado da presidência da República, outro envergonhado e tardio do Governo, o apoio com votos contra e declarações de voto dos deputados do partido do governo a um voto de congratulação proposto corajosamente por um partido da oposição, o CDS, que o PSD acompanhou, a abstenção do Partido Comunista e o patético e ridículo voto contra do Bloco de Esquerda, a coqueluche da burguesia envergonhada e com complexos de culpa, em nome da separação entre o Estado e Igreja.
Em qualquer outro país normal, toda a sociedade se teria desdobrado em manifestações de júbilo por um seu herói nacional ter sido reconhecido como santo pela Igreja Católica, mesmo por parte daqueles para quem a santidade não tem qualquer valor. Celebravam o Estado laico e o povo em geral o seu herói, celebravam a Igreja Católica e os seus fiéis o seu santo. Por cá não. Em nome de uma falsa liberdade religiosa e de complexos revolucionários centenários e mais recentes, tenta-se que os católicos não façam muito barulho em volta de D. Nuno Álvares Pereira, joga-se o jogo do empurra para saber quem representará o Estado nas cerimónias no Vaticano e assobia-se para o lado. Não é uma questão de Estado; é uma questão de falta de sentido patriótico e de dignidade do Estado Português.
* Nota: o texto publicado é da exclusiva responsabilidade do autor.
Por essa Europa fora assiste-se, entre as nações mais velhas do velho continente, ao culto dos heróis nacionais, que não se fica apenas pelas celebrações das efemérides oficiais, mas se revela no estudo das suas biografias, das épocas históricas em que se afirmaram, dos feitos que cometeram, ou obras que realizaram, empenhado o Estado em fomentar e em apoiar todas as iniciativas.
No Portugal desta III República não. Os únicos heróis, cujos feitos parecem comover quem está à frente do Estado, parecem ser os revolucionários do 5 de Outubro, mesmo os carbonários que assassinaram um Rei, um Príncipe Real e um Presidente da República, ou os do 25 de Abril. E nem todos. Para muitos dos que nos têm governado ou são candidatos a governar, a História de Portugal começou em 1974. Quando muito em 1910. Dir-se-á que é uma reacção natural à II República que usou e abusou dos heróis nacionais e dos feitos históricos do passado para construir e justificar o regime autoritário que instituiu. Fraca desculpa, quando sobre o fim desse período da história do regime republicano já passaram trinta e cinco anos!
A Igreja Católica, pela vontade do seu Pontífice máximo, o Papa, e depois de um processo de séculos que Espanha entravou por razões exclusivamente políticas, decidiu canonizar - com base numa cura cientificamente inexplicável, comprovada por homens da ciência, muitos dos quais não católicos, que foi atribuída à sua intercessão - o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, Beato Nuno de Santa Maria desde 1929, herói da independência nacional na crise de 1383-1385.
Reconhecido e aceite pelo povo como santo, ainda em vida, D. Nuno Álvares Pereira destacou-se pela sua devoção como cristão, pelas atitudes, que hoje diríamos humanitárias, e são afinal fundamentalmente cristãs, face aos inimigos de Portugal que combateu, pelas doações do seu imenso património que fez aos mais humildes dos seus companheiros de armas e aos mosteiros que acolhiam os pobres, pelo despojamento e humildade que demonstrou quando decidiu de tudo prescindir, no auge do seu poder e da sua glória, e entrar na Ordem do Carmo, para prosseguir o seu aperfeiçoamento espiritual e servir os que nada tinham.
Sem a acção militar de D. Nuno Álvares Pereira, enquanto comandante dos exércitos portugueses, sem o seu sentido de estratégia e sem as tácticas que fez adoptar face a um adversário muito mais poderoso e numeroso, sem a sua determinação patriótica, que chegou a roçar a desobediência ao Rei, Portugal poderia ter perdido a sua independência face a Castela e aos reinos ibéricos. A História poderia ser bem outra.
Anunciada a canonização pela Santa Sé, qual foi a posição do Estado e dos partidos portugueses? Um tímido comunicado da presidência da República, outro envergonhado e tardio do Governo, o apoio com votos contra e declarações de voto dos deputados do partido do governo a um voto de congratulação proposto corajosamente por um partido da oposição, o CDS, que o PSD acompanhou, a abstenção do Partido Comunista e o patético e ridículo voto contra do Bloco de Esquerda, a coqueluche da burguesia envergonhada e com complexos de culpa, em nome da separação entre o Estado e Igreja.
Em qualquer outro país normal, toda a sociedade se teria desdobrado em manifestações de júbilo por um seu herói nacional ter sido reconhecido como santo pela Igreja Católica, mesmo por parte daqueles para quem a santidade não tem qualquer valor. Celebravam o Estado laico e o povo em geral o seu herói, celebravam a Igreja Católica e os seus fiéis o seu santo. Por cá não. Em nome de uma falsa liberdade religiosa e de complexos revolucionários centenários e mais recentes, tenta-se que os católicos não façam muito barulho em volta de D. Nuno Álvares Pereira, joga-se o jogo do empurra para saber quem representará o Estado nas cerimónias no Vaticano e assobia-se para o lado. Não é uma questão de Estado; é uma questão de falta de sentido patriótico e de dignidade do Estado Português.
* Nota: o texto publicado é da exclusiva responsabilidade do autor.
Texto publicado no Diário Digital a 14-Abr-2009
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