No dia 31 de Janeiro último, fui convidado a saudar a Senhora Infanta Maria Adelaide de Bragança van Uden por ocasião da festa dos seus 100 anos de vida. Fi-lo com muita alegria e gratidão, por sentir que estávamos reunidos não apenas para homenagear a Senhora Infanta na raridade biológica dos seus 100 anos mas, mais ainda, para agradecer tudo quanto a vida da Senhora Dona Adelaide nos deu e tornou presente. Porque esta sempre foi a vocação que a Providência assinalou ao sangue real: não só representar, como um delegado, mas tornar presente na realidade, como um rei. E mais importante do que representar é estar presente. É saber fazer presente.
A Senhora Infanta sempre soube o que representava. Sabia-se nascida com uma distinção que lhe vinha do sangue, mas nunca a viveu como frivolidade, pretensiosismo ou arrogância. Tão pouco como ressentimento, ou indisponibilidade e tristeza, face à sorte ou à menor fortuna. E sempre procurou tornar presente o que representava. Presente com esse sentido da autoridade como serviço perante os homens. Presente também no entendimento do poder como responsabilidade de um perante todos e a favor de todos e de cada um.
A Senhora Infanta sempre soube o que representava. Sabia-se nascida com uma distinção que lhe vinha do sangue, mas nunca a viveu como frivolidade, pretensiosismo ou arrogância. Tão pouco como ressentimento, ou indisponibilidade e tristeza, face à sorte ou à menor fortuna. E sempre procurou tornar presente o que representava. Presente com esse sentido da autoridade como serviço perante os homens. Presente também no entendimento do poder como responsabilidade de um perante todos e a favor de todos e de cada um.
Por isso, é justo recordar a aliança dos povos com os Reis que celebraram núpcias indissolúveis com o destino das suas gentes, sendo igualmente forçoso lembrar a devoção aos Príncipes cuja herança foi honrar a bandeira que lhes havia sido confiada. Assim, não nos é difícil reconhecer na Senhora Infanta, no testemunho da sua existência, a nobreza de uma vida em que aquilo que foi recebido como distinção do nascimento se tornou confirmação e testemunho, com a dimensão da sua própria vida, frugal e modesta.
A Senhora Dona Adelaide deu, pois, o testemunho de ser uma Infanta de Portugal, promovendo a memória, como quem sabe que o que torna venerável a tradição não é o hábito mas o passar de coração a coração, de vida a vida, o melhor que recebemos, o melhor que pretendemos entregar aos que amamos e que chegaram depois de nós, e que desejamos sigam ricos, assim, com idêntico património.
A vida da Senhora Infanta foi também um significativo testemunho de fé católica apostólica romana. Uma fé tornada obra. E lembro uma afirmação de von Balthasar, encontrada num escrito do Cardeal Ratzinger onde se diz que no testemunho "não se trata de fazer-se valente com fanfarronices, mas, isso sim, de ter verdadeiro valor cristão para expor-se." E como se expôs, a Senhora Dona Adelaide.
De facto, a Senhora Infanta nunca foi dada a fanfarronices. Aliás, sempre preferiu, aos desfiles e aos cortejos enfeitiçantes, os passos decididos em direcção à barraca de algum pobre; à ostentação das biografias, por vezes reescritas fantasiosamente, o desejo de relações simples e autênticas; à frivolidade, onde quer que nascesse e se mostrasse, e ao calculismo dos negócios, a honra do combate. Combate, sim. O bom combate. O combate da fé. O combate pela Pátria, também. Pela Pátria percebida como uma dádiva de Deus em favor de um povo, mas sem ódio a nenhum outro povo. Combate, sempre, pelo compromisso social de quem pode, em favor de quem não pode, de quem deve, a quem é devido, na fidelidade imensa a esse nome maior do amor que é a Caridade.
E como a Senhora Infanta correu riscos ao expor-se. Todos ouvimos falar das aventuras da Senhora Dona Adelaide na Áustria, durante a II Grande Guerra, e da obra de Evangelho lançada no Porto Brandão. Correr o risco de se expor, sim, sem delapidar nenhuma das convicções veementes que sempre a animaram.
Das muitas com que foi agraciada, a mais importante qualidade espiritual, e portanto corporal e encarnada, da Senhora Infanta era a de saber ouvir: ouvir no coração o amor de Deus, tornado fé e esperança. E como não perguntarmo-nos pela razão de ser de tanto sossego e reconciliação nos dias tornados anos, e nos anos revividos 100 vezes? nos dias entregues a amar o mundo, a ouvir as suas dores e perigos, rezando-nos a todos, rezando tudo; esse ouvir, também, a memória tornada decisão na história de um povo, lugar onde se escolhe por onde ir e com quem ir; esse muito bem ouvir, portanto, com os olhos e as mãos, o clamor dos afligidos, bem como a ordem interior que manda sempre realizar qualquer coisa de concreto no exterior; esse ouvir muito bem, enfim, por entre tanto torpedear e tropeço, essa voz certa, segura e verídica do Senhor, que permitiu que os muitos dias de uma vida tão cheia tivessem sido muito vivos, na humildade e na paz.
Quis Deus Nosso Senhor chamar à Sua presença a Senhora Infanta na primeira 6ª feira da Quaresma. De algum modo, a última missão que a Providência assinalou aos seus últimos anos, foi esta: a de viver em Quaresma, apresentando todos, tudo, tantas vezes, nas suas súplicas e intercessão; esmolando a misericórdia e a vida da fé que depois distribuía no seu sorriso pacificado e jejuando na intensa intenção de comungar do único banquete para o qual desejava muito ser convidada, sem rebeldias nem angústias deprimentes.
Daí que perante a vida da Senhora Infanta nos apercebamos do que é a honra no seu sentido cristão.
Honra: não perder a identidade
Melhor: fazer crescer a identidade, abrindo-a todas as possibilidades que traz em si.
A honra de uma disciplina: a mão que cumpre o coração.
A honra da caridade: o coração que se cumpre em adoração visível e em gestos de amor.
A beleza da honra: uma vida que se cumpre.
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