«As monarquias são sempre modernas e simbolizam sempre as suas épocas. Na Idade Média, o rei era o cavaleiro, o militar e guerreiro à frente nas batalhas; na Renascença, o rei era um cientista, defensor das artes e da cultura.» (121)Acrescentaria eu que hoje é pedido aos reis que sejam de forma especial os guardiães da esperança e a garantia de que não se perderão irremediavelmente as riquezas da Tradição. Afirmações como: «A monarquia evoluiu do poder total para a ausência de poder» (122), aí morando a sua força, «A monarquia é democrática ou não é» (34), «O Rei é símbolo da república e a sua melhor garantia» (27), «a democracia implantou-se em Portugal à sombra da Monarquia» (118) revelam-nos uma lúcida visão do ideal monárquico para o nosso tempo e a sua perfeita realização. Cita-se Jacques Monet:
«Um rei é rei, não é porque é rico e poderoso, não porque pertence a um credo particular ou a uma minoria nacional. Nasce rei. E ao deixar a selecção do chefe de estado a este denominador o mais comum no mundo – o acaso do nascimento – proclama-se implicitamente a fé na igualdade humana; a esperança no triunfo da natureza sobre a manobra política e sobre os interesses sociais e do capital financeiro e na vitória da pessoa humana.» (27)5–ARGUMENTOS PRÓ-MONARQUIA - Estas páginas são uma serena e profunda argumentação a favor da monarquia. Pretende-se exorcizar os fantasmas e preconceitos acerca da realeza: cortes faustosas, privilégios, casamentos de estado, cerimoniais bizantinos… estas são meras formas históricas que, num dado momento, acompanharam a monarquia, mas a sua essência é cousa bem diversa. Hoje, segundo Dom Duarte, os reis constitucionais vivem com o realismo do nosso tempo: cumprem os deveres do seu ofício, casam-se com quem estimam, representam o poder dos sem-poder e continuam a evocar o que há de melhor em cada um dos seus povos (120). Permanece, deste modo, intacta a alma da monarquia: a estabilidade, a preparação de toda uma vida para se ser chefe de Estado e a consequente fidelidade dessa vida à missão assumida, a “capitalização” de conhecimento e de contactos, a duradoura comunhão com a Nação, a equidistância em relação a todas as forças políticas e grupos de interesse, a prudente moderação, a pertença livre e soberana a uma Pátria, sem haver necessidade de disputa política, nem de retórica empolada, nem muito menos de demagogia, o profissionalismo genuíno no serviço ao Estado, a independência perante o “fazer carreira”, a garantia da defesa dos valores comuns. Perante a triste feira em que por vezes se transforma o sistema republicano, perguntamo-nos onde mora a democracia. O facto é que a expressão do “poder do povo” não passa frequentemente de fruto de uma operação de marketing, do triunfo das oligarquias, de um mercado, enfim, em que vende mais quem fala melhor, quem melhor veste e se mascara, quem pode exercer mais ou menos influências. O elevadíssimo nível da abstenção em todas as eleições, e mesmo referendos, é um sinal muito claro de um mal-estar democrático. Diante deste cenário, os monárquicos afirmam sem tergiversar que um Rei é a melhor garantia do interesse comum. Afirma-se: «Um rei reforça a vida colectiva e fortalece a democracia» (207). Um monarca, uma família real, pertencem à Nação, não o contrário. Muito mais do que uma bandeira ou um hino, o Rei é o símbolo de uma comunidade; na hereditariedade encontra-se a espinha dorsal e o sustentáculo de um país. Não nos enganemos: na organização das comunidades humanas, a dimensão simbólica está longe de ser secundária. Pelo que fica dito, na nossa situação de europeus que querem continuar a ser soberanamente Portugueses é de todo indispensável repensar os benefícios de uma restauração da monarquia, da sua perfeita viabilidade e mesmo oportunidade, não para derrubar a República, como fica bem expresso nesta obra, mas para a coroar! Talvez não esteja longe o tempo em que se chame os Reis de Portugal como garantia plena da nossa portugalidade.6–DOM DUARTE, ENTRE O IDEAL E O PRAGMATISMO - Este livro é também o testemunho da síntese entre o ideal e o pragmatismo. Dom Duarte surge como o herdeiro da espiritualidade portuguesa – manifestada quer no seu pendor mais lidimamente católico, como na devoção a Nossa Senhora ou o culto ao Espírito Santo, como ontem tivemos a graça de viver, quer no interesse pelos chamados mitos fundacionais (79), como Ourique, ou o Quinto Império, ou ainda na inspirada poesia de Pessoa, esse ambíguo profeta de um Portugal a ser. Dom Duarte é, reafirme-se, um indefectível defensor dos valores cristãos, tendo uma claríssima consciência de que a cultura europeia, nas suas manifestações mais nobres de liberdade e de dignidade, é filha da dinâmica do Evangelho. Com desassombro, afirma que «ser cristão é ser moderno», facto que na Europa se vai esquecendo ou de propósito ocultando, mas que o mundo persiste em redescobrir. O Herdeiro dos «soberanos das três religiões», como diz, é Senhor de um autêntico diálogo com as outras tradições religiosas, sobretudo as comunidades judaicas e muçulmanas, também na linha do Santo Condestável, cujo processo de canonização foi persistentemente apoiado por Dom Duarte, sabendo bem que os heróis da História e do Cristianismo são grandes educadores do presente. Entende-se mesmo que a sua viva consciência da História, só possível em quem dela participe de uma forma tão responsável quanto a hereditariedade dinástica exige e alimenta, impele Sua Alteza a curar as feridas do passado, congregando os Portugueses dispersos pelo mundo e pelas várias ideologias. A visita à Sinagoga Portuguesa de Nova Iorque, fundada em 1654, e o convite para almoçar feito aos descendentes de Isaac Abarbanel, tesoureiro de D. Afonso V, (por esse almoço D. Duarte afirmou “ter esperado 500 anos”…) revelam-nos esse profundo empenho em reconciliar os Portugueses com a sua História e a História com os Portugueses. Não menos significativo, e para os monárquicos algo incómodo, é o estabelecimento de laços de diálogo e respeito com a Maçonaria. Há, por conseguinte, em Sua Alteza, uma vocação a que eu chamaria profética e pragmática ao mesmo tempo, pois luta por não excluir ninguém do horizonte português e declara mesmo como dogma: «o Príncipe é de todos e não de ninguém». (201)Desta síntese, brota uma série de iniciativas consistentes: o diálogo com o Brasil; com a África lusófona, paixão antiga de Dom Duarte, cujo território foi calcorreado por Sua Alteza, muito antes de 1974, e defendido numa “terceira via” equilibrada e oposta à intransigência da II República e à sanha cobiçosa dos regimes comunistas; as justíssimas causas da defesa de Timor e Cabinda; a defesa do ambiente, do ordenamento do território, da agricultura, num empenho ímpar pela protecção do melhor de Portugal; a promoção do mutualismo agrícola; os constantes contactos com a diáspora portuguesa, consignados na fundação da Portuguese Heritage Foundation (78); as numerosas obras de solidariedade (72) e muitas outras iniciativas que pretendem edificar o Portugal de hoje. Mas sublinhe-se que a ponte entre Portugal e os países lusófonos é o mais esplendente da sua acção. O facto de falar, no cenário da monarquia restaurada, de uma federação num Reino Unido de Portugal, Açores, Madeira, etc… é um sonho ambicioso, mas tão possível. Sem sombra de fantasmas colonialistas e dando um ousado significado à Comunidade de Países de Língua Portuguesa… Além do mais, as numerosas viagens que Dom Duarte tem feito são a expressão do verdadeiro universalismo que encarna e que é o melhor do nosso povo. Estados Unidos, Rússia (onde forma vivíssima Dom Duarte contactou com a força do renascimento religioso, simbolizado no ícone de Nossa Senhora de Kazan, a cuja história também esteve ligado), China, Índia, toda a Europa, com especial destaca para a Santa Sé e a Espanha, e muitos outros lugares foram visitados com atenção e respeito por Dom Duarte, não como um turista, mas como alguém fascinado pela variedade das experiências, terras e culturas humanas. Dessas experiências têm nascido iniciativas como a Associação Cultural Luso-Russa. Dom Duarte é, em larga medida, o primeiro embaixador de Portugal no mundo. Não é difícil vermos nesta vida exemplarmente vivida e contada a realização de muitos dos versos da Mensagem, de Pessoa: o espírito fecunda a matéria.
7–A DOCUMENTAÇÃO NA OBRA - É de destacar na obra a parte da Documentação. Nela se incluíram documentos acerca da Monarquia na Assembleia da República e uma larga recolha de Documentos Históricos que vão desde o Assento das Cortes de 1641, passando pela Carta de D. Manuel II ao Povo Português, ao conteúdo do «Pacto de Dover» ou a Mensagem do Senhor Dom Duarte Nuno por ocasião do nascimento do Príncipe da Beira, em 1945, esse magnífico documento humano e régio. Segue-se a compilação das Mensagens do 1.º de Dezembro de 1980 a 2005, e de outras Mensagens promanadas de Sua Alteza, uma Cronologia de Actividades de 1998 a 2006, a explanação das relações familiares entre os Reis de Portugal a as Casas Reais Europeias e uma série de Testemunhos sobre Dom Duarte. Além do inegável interesse de cada um destes documentos, saliente-se que, no seu conjunto, eles oferecem um quadro vivo da história da Família Real e de Dom Duarte, sempre em simbiose com a História de Portugal. Por seu lado, a cristalina argumentação, no Posfácio, do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, esse monárquico moderníssimo, é outro dos momentos altos desta Biografia. Quanto às fotografias de Dom Duarte e da Família Real aqui reproduzidas, elas são, no seu carácter mais oficial ou mais familiar, a expressão de um rosto humaníssimo da pátria.8–DOM DUARTE, «ESPELHO DE CIDADÃOS» - CONCLUSÃO - Ler este livro é, ao mesmo tempo, ler a história do que foi e a história do que poderia ter sido. Explico-me: o serviço prestado por Dom Duarte a Portugal é eloquente e logo nos perguntamos o quão ampliado poderia ter sido se de facto tivesse emanado do Trono com todas as suas prerrogativas. Não tenho dúvida de que seria uma melhor história de Portugal, inspiradora de uma continuidade de projectos, numa sequência sem rupturas nem desvios, em que os governos escolhidos pelo Povo teriam a salutar influência do Trono, essa sublime garantia da estabilidade e do progresso consequente. Assim, esta biografia é a biografia de um rei, ficando em segundo lugar, se com trono ou sem ele. A dedicação a Portugal transcende as vicissitudes da História. Não é por acaso que o próprio Dom Duarte seja repetidamente citado ao longo da obra, sendo a sua vida e palavras as suas melhores intérpretes.Falava de ser leve a minha tarefa, por se tratar de um livro que se apresenta a si mesmo, e de vários modos. Em primeiro lugar, por ser quem é o biografado e se ter dignado estar entre nós, em segundo por ser de altíssima qualidade, pela apresentação gráfica, pela substância e pela forma. E, por certo, já ficou claro que todas as minhas palavras são também um elogio ao autor do livro. «Eloquentemente escrito», como afirma o próprio Dom Duarte no Prefácio, este livro é uma cabal prova do saber, do domínio das fontes documentais e, ainda mais do que isso, revela a contagiante paixão do Professor Mendo de Castro Henriques pela Monarquia e pela Democracia, as duas faces de uma moeda de altíssimo valor. Deste modo, a Biografia de Sua Alteza acaba por ser também um verdadeiro tratado político, a proposta de um estádio superior ao que hoje vivemos! Quem encontrará este tesouro?
Há um género literário com larga sorte na nossa cultura que é o “espelho de príncipes”; um determinado autor educava o príncipe para que fosse um modelo de perfeito cristão e homem de Estado, apontando-lhe uma série de virtudes e de exemplos a seguir, como de certo modo Camões faz com D. Sebastião n’ Os Lusíadas, ou, talvez mais ponderadamente, D. Jerónimo Osório no seu tratado De Regis Institutione et Disciplina, também de 1572. Ora o Senhor Dom Duarte e este livro fazem, de forma exímia, o contrário: não é o príncipe a ser educado mas a educar! Torna-se pela vida e pelo testemunho da escrita um “espelho dos cidadãos” ou mesmo “espelho da pátria”! Termino afirmando o carácter imprescindível desta obra para se entender a verdadeira dimensão de uma monarquia moderna. A vida exemplar de Dom Duarte de Bragança está inscrita neste precioso documento. É este o caminho que temos de trilhar, ainda contra muitos ventos e marés, por vezes nascidos donde menos se espera. Este livro é um documento e um monumento, ao mesmo tempo personalíssimo e de família e, em grande parte, de toda História de Portugal. Sem ela não se entenderia a acção de Dom Duarte, sem Dom Duarte seria muitíssimo mais pobre a nossa construção da História e o que dela esperamos – a feliz Restauração da Monarquia em Portugal, por ser possível, necessária e um bem para o país! E com ela um Portugal redivivo!Muito obrigado pela atenção.
Sérgio Toste
Fonte: Blogue Bagos D'Uva
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