AS RELAÇÕES ENTRE PORTUGAL E OS PAPAS
Os primeiros contactos de Portugal com Roma dão-se no século XII. Neste segundo milénio, o relacionamento faz-se a partir da instituição papado que se foi construindo através dos tempos. O enquadramento cronológico e a acção singular de cada papa, a partir dessa instituição, muito nos ajudarão a compreender as intervenções pontifícias em Portugal.
O primeiro papa que se liga a nós foi Lúcio II (1144-1145). Responde a um pedido de D. Afonso Henriques. Para trás fica-nos uma lista de 165 bispos de Roma; e de Lúcio II até ao pontificado de Bento XVI temos mais 100 papas. Importa referir que a instituição papal, para além da compreensão exegética, patrística, teológica e histórica, teve muito a ver com estímulos exteriores à própria Igreja.
Circunstâncias históricas guindaram-na a um alto patamar de autoridade religiosa, política e moral, e que têm persistido até aos nossos dias. Circunstâncias históricas contribuíram para isso.
No início do segundo milénio, famílias influentes e forças políticas procuraram instrumentalizar a sede de Pedro. Uma reforma oportuna conseguiu libertar o papado dessas forças adversas.
Desse processo reformador resultará uma monarquia papal, centralizada, independente e forte que acabará por tutelar toda a Europa. Decorrente desse estatuto, tacitamente aceite por todos os reinos então constituídos, pôde depor reis e imperadores, desvincular súbditos de príncipes ou outras autoridades de vida cristã discutível. Esse dinamismo singularizou-o e o colocou numa posição de charneira, capaz de arbitrar os altos destinos da Europa.
Com naturalidade, os vários reinos do ocidente, consolidados ou emergentes, aceitaram ou demandaram reconhecimento político em ordem a uma sólida independência.
É neste contexto que D. Afonso Henriques, após o tratado de Samora (1143), pede reconhecimento papal que lhe garantisse independência entre reinos vizinhos belicosos. A anuência romana foi cautelosa e faseada. Lúcio II reconhece-lhe apenas o título de Dux (chefe) duma terra ainda pouco definida.
Posteriormente, já no pontificado de Alexandre III, em 1179, por documento bulado, é-lhe reconhecido o título de rei. Os monarcas da primeira dinastia tiveram sérios problemas com o clero.
O período mais tenso deu-se no reinado de D. Sancho II. Inocêncio IV, que convocara o concílio I de Lyon para o ano de 1245, em pleno concílio, com a anuência dos padres conciliares, depõe o imperador Frederico II e, já no fim do concílio, depois de ouvir o parecer dos bispos portugueses, depõe o rei D. Sancho II.
No século XV, com a epopeia marítima, vários foram os papas que se associaram aos empreendimentos portugueses. As bulas do século XV, dos papas Eugénio IV, Nicolau V, Calixto III e Alexandre VI, são prova do interesse pontifício pela política da expansão ultramarina portuguesa.
O recurso atempado a Roma para obter chancela pontifícia de garantia de posse dava segurança e legitimidade. Com D. Manuel I e D. João III Portugal “entra” decididamente na chancelaria pontifícia e no palácio papal.
Negociações difíceis se fizeram nesses dois reinados. Os papas Paulo III e Pio IV acreditaram ser possível mobilizar o reino de Portugal para as grandes causas que então moviam Roma: a luta contra a dissidência religiosa e a reforma da Igreja. D. João III e os seus dois irmãos cardeais, D. Afonso e D. Henrique, tiveram grande dificuldade em acompanhar a tenacidade e o dinamismo desses dois papas.
No século XVIII a relação com Roma será bastante instável. O racionalismo da Ilustração, sem eliminar o elemento religioso, pendia para uma compreensão secularizante do exercício do poder. Isso reflectiu-se nas relações com Roma.
O barroco imperante e transversal a várias retóricas teve particular impacto nas expressões de luxo e pompa, prestando-se por vezes à sacralização do ritual da corte e do poder. Vários papas foram pródigos na concessão de privilégios a Portugal.
A dignidade patriarcal e outros privilégios que a essa se seguiram, concedidos pelos papas Clemente XI e Clemente XII, prestigiaram de forma invulgar o reino de Portugal. Um pouco mais tarde, Clemente III, por convicções e temperamento, opor-se-á por anos seguidos às políticas do Marquês de Pombal; já o seu sucessor, Clemente XIV, contemporizou e se prestou a cedências que resultaram perniciosas para a Igreja.
O século XIX trouxe mudanças profundas. O papado teve sérias dificuldades em harmonizar-se com o mundo moderno. A partir dos anos trinta, vários papas conheceram por décadas desconforto e isolamento. As políticas liberais portuguesas também contribuíram para isso. Os papas deste período, mormente Gregório XVI, Pio IX e Leão XIII, embora discordando das políticas de Lisboa, demonstraram razoável apreço pelo povo português.
O início do século XX, com a vitória republicana em 1910, foi um período penoso para o papa Pio X. Os acontecimentos de Fátima chegaram ao Vaticano de forma demasiado lenta. A grande guerra em curso, o período turbulento que se seguiu, a ascensão de alguns regimes totalitários centrara os papas na problemática emergente. Pio XII, no fim da década de trinta, inicia um pontificado inteligente, organizado e atractivo.
Teve picos de proximidade a Portugal assinaláveis: estabeleceu uma concordata e um acordo missionário; enviou um legado “a latere” para a coroação de Nossa Senhora de Fátima em 1946 e canonizou S. João de Brito. Portugal anichava-se progressivamente na cidade de Roma, no Vaticano e no coração dos papas.
Os sucessores de Pio XII, praticamente todos com razoável conhecimento sobre Fátima, associar-se-ão aos acontecimentos mais marcantes da Cova da Iria e de Portugal. Paulo VI, que melindrara os políticos portugueses com a sua deslocação a Bombaim (1964), impávido e sereno, com dois gestos de deferência, demonstrou por Portugal estima e devoção à Virgem de Fátima. Em Novembro de 1964 concedeu ao Santuário de Fátima a Rosa de Ouro.
Em 1967, em voo directo de Roma a Monte Real, evitando os ruídos protocolares de Lisboa, deslocou-se como peregrino à Cova da Iria, num acto de devoção e de preito ao bom povo português. João Paulo II deslocou-se três vezes a Portugal, com mente e coração centrados em Fátima.
Com essas presenças pontifícias, o papado passou a colocar na sua agenda visitas habituais a Portugal e a Fátima. Dessas deslocações percepciona-se um alto apreço institucional e pessoal dos papas por Fátima e Portugal.
A viagem de Bento XVI que se aproxima insere-se já numa tradição e numa inovação que, certamente, surpreenderá a Igreja de Portugal e os horizontes inabarcáveis do mundo da cultura.
O primeiro papa que se liga a nós foi Lúcio II (1144-1145). Responde a um pedido de D. Afonso Henriques. Para trás fica-nos uma lista de 165 bispos de Roma; e de Lúcio II até ao pontificado de Bento XVI temos mais 100 papas. Importa referir que a instituição papal, para além da compreensão exegética, patrística, teológica e histórica, teve muito a ver com estímulos exteriores à própria Igreja.
Circunstâncias históricas guindaram-na a um alto patamar de autoridade religiosa, política e moral, e que têm persistido até aos nossos dias. Circunstâncias históricas contribuíram para isso.
No início do segundo milénio, famílias influentes e forças políticas procuraram instrumentalizar a sede de Pedro. Uma reforma oportuna conseguiu libertar o papado dessas forças adversas.
Desse processo reformador resultará uma monarquia papal, centralizada, independente e forte que acabará por tutelar toda a Europa. Decorrente desse estatuto, tacitamente aceite por todos os reinos então constituídos, pôde depor reis e imperadores, desvincular súbditos de príncipes ou outras autoridades de vida cristã discutível. Esse dinamismo singularizou-o e o colocou numa posição de charneira, capaz de arbitrar os altos destinos da Europa.
Com naturalidade, os vários reinos do ocidente, consolidados ou emergentes, aceitaram ou demandaram reconhecimento político em ordem a uma sólida independência.
É neste contexto que D. Afonso Henriques, após o tratado de Samora (1143), pede reconhecimento papal que lhe garantisse independência entre reinos vizinhos belicosos. A anuência romana foi cautelosa e faseada. Lúcio II reconhece-lhe apenas o título de Dux (chefe) duma terra ainda pouco definida.
Posteriormente, já no pontificado de Alexandre III, em 1179, por documento bulado, é-lhe reconhecido o título de rei. Os monarcas da primeira dinastia tiveram sérios problemas com o clero.
O período mais tenso deu-se no reinado de D. Sancho II. Inocêncio IV, que convocara o concílio I de Lyon para o ano de 1245, em pleno concílio, com a anuência dos padres conciliares, depõe o imperador Frederico II e, já no fim do concílio, depois de ouvir o parecer dos bispos portugueses, depõe o rei D. Sancho II.
No século XV, com a epopeia marítima, vários foram os papas que se associaram aos empreendimentos portugueses. As bulas do século XV, dos papas Eugénio IV, Nicolau V, Calixto III e Alexandre VI, são prova do interesse pontifício pela política da expansão ultramarina portuguesa.
O recurso atempado a Roma para obter chancela pontifícia de garantia de posse dava segurança e legitimidade. Com D. Manuel I e D. João III Portugal “entra” decididamente na chancelaria pontifícia e no palácio papal.
Negociações difíceis se fizeram nesses dois reinados. Os papas Paulo III e Pio IV acreditaram ser possível mobilizar o reino de Portugal para as grandes causas que então moviam Roma: a luta contra a dissidência religiosa e a reforma da Igreja. D. João III e os seus dois irmãos cardeais, D. Afonso e D. Henrique, tiveram grande dificuldade em acompanhar a tenacidade e o dinamismo desses dois papas.
No século XVIII a relação com Roma será bastante instável. O racionalismo da Ilustração, sem eliminar o elemento religioso, pendia para uma compreensão secularizante do exercício do poder. Isso reflectiu-se nas relações com Roma.
O barroco imperante e transversal a várias retóricas teve particular impacto nas expressões de luxo e pompa, prestando-se por vezes à sacralização do ritual da corte e do poder. Vários papas foram pródigos na concessão de privilégios a Portugal.
A dignidade patriarcal e outros privilégios que a essa se seguiram, concedidos pelos papas Clemente XI e Clemente XII, prestigiaram de forma invulgar o reino de Portugal. Um pouco mais tarde, Clemente III, por convicções e temperamento, opor-se-á por anos seguidos às políticas do Marquês de Pombal; já o seu sucessor, Clemente XIV, contemporizou e se prestou a cedências que resultaram perniciosas para a Igreja.
O século XIX trouxe mudanças profundas. O papado teve sérias dificuldades em harmonizar-se com o mundo moderno. A partir dos anos trinta, vários papas conheceram por décadas desconforto e isolamento. As políticas liberais portuguesas também contribuíram para isso. Os papas deste período, mormente Gregório XVI, Pio IX e Leão XIII, embora discordando das políticas de Lisboa, demonstraram razoável apreço pelo povo português.
O início do século XX, com a vitória republicana em 1910, foi um período penoso para o papa Pio X. Os acontecimentos de Fátima chegaram ao Vaticano de forma demasiado lenta. A grande guerra em curso, o período turbulento que se seguiu, a ascensão de alguns regimes totalitários centrara os papas na problemática emergente. Pio XII, no fim da década de trinta, inicia um pontificado inteligente, organizado e atractivo.
Teve picos de proximidade a Portugal assinaláveis: estabeleceu uma concordata e um acordo missionário; enviou um legado “a latere” para a coroação de Nossa Senhora de Fátima em 1946 e canonizou S. João de Brito. Portugal anichava-se progressivamente na cidade de Roma, no Vaticano e no coração dos papas.
Os sucessores de Pio XII, praticamente todos com razoável conhecimento sobre Fátima, associar-se-ão aos acontecimentos mais marcantes da Cova da Iria e de Portugal. Paulo VI, que melindrara os políticos portugueses com a sua deslocação a Bombaim (1964), impávido e sereno, com dois gestos de deferência, demonstrou por Portugal estima e devoção à Virgem de Fátima. Em Novembro de 1964 concedeu ao Santuário de Fátima a Rosa de Ouro.
Em 1967, em voo directo de Roma a Monte Real, evitando os ruídos protocolares de Lisboa, deslocou-se como peregrino à Cova da Iria, num acto de devoção e de preito ao bom povo português. João Paulo II deslocou-se três vezes a Portugal, com mente e coração centrados em Fátima.
Com essas presenças pontifícias, o papado passou a colocar na sua agenda visitas habituais a Portugal e a Fátima. Dessas deslocações percepciona-se um alto apreço institucional e pessoal dos papas por Fátima e Portugal.
A viagem de Bento XVI que se aproxima insere-se já numa tradição e numa inovação que, certamente, surpreenderá a Igreja de Portugal e os horizontes inabarcáveis do mundo da cultura.
Pe. David Sampaio Barbosa,
Fonte AQUI
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