UMA MANHÃ DE RAINHA DONA AMÉLIA
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Assim que me sentei, iniciaram de imediato um contacto, que segundo me disseram, já esperavam há muito. É que costumo usar num blusão, uma pequena bandeira nacional de esmalte e já estou habituado à curiosidade do olhar de alguns, ao fáceis cúmplice de outros e também, ao evidente desagrado dos patetas habituais. As duas irmãs já a tinham visto e perguntaram-me se sabia o que aquilo significava. Não pude deixar de sorrir com esta questão que hoje em dia, nesta época de gadgets meramente decorativos, não é assim tão extemporânea. Esclarecidas àcerca das minhas razões, sentiram-se então muito à vontade para falar. Surpreenderam-me - ou talvez não -, com um diluviano discurso sobre a Rainha Dona Amélia ..."uma Mulher excepcional, culta, moderna, avançadíssima para o seu tempo, de uma elegância e simplicidade extrema"... Filhas de um pai que fora republicano até à morte de Sidónio, desde pequenas ouviam falar naquela, que neste país avesso a novidades, insistira em arrastar os portugueses para o século XX da ciência, protecção do património e mais importante que isto, das conquistas sociais. Estas duas senhoras conhecem de cor o papel pioneiro da Rainha de Orleães. Falaram-me das creches, dos lactários e das cozinhas económicas. Não quis estragar o seu entusiasmo e fingi surpresa por tudo aquilo que me contavam, onde a luta contra a tuberculose, o Instituto Câmara Pestana, os Sanatórios e as Campanhas de Prevenção, encontravam-se no centro da frenética actividade da grande Soberana. A minha surpresa deveu-se antes de tudo, à pujante memória de duas mulheres com quase nove décadas de existência e não pude deixar de escutar pequenos episódios relativos a essa paixão que desde novas cultivam. Quando da visita da Rainha em 1945, o pai levou-as a todos os locais onde puderam contactar com Dona Amélia e orgulhosamente disseram que lhes tinha chamado "minhas filhas", à saída de S. Vicente de Fora, ao mesmo tempo que o pai não se cansava de berrar a plenos pulmões "Viva a Rainha!!"
Após uma meia hora de emotivas recordações, confidenciaram que ..."sabe, naquele tempo era difícil falar à vontade e o meu pai dizia que aquela senhora representava o último momento em que tinha existido liberdade em Portugal". Assim que ouvi isto, o meu interesse avivou-se instantaneamente e descobri então com autêntica surpresa, estar diante de duas senhoras daquilo a que durante o Estado Novo se chamou de "reviralho". Afinal existia uma oposição que não era PC, nem era exclusiva dos órfãos do Afonso Costa e dos seus bandos de caceteiros e caciques locais. Havia um reviralho azul e branco, discreto, mas de firmes convicções que se mantiveram para além do século mais infeliz da nossa História.
Antes de nos despedirmos, ainda tiveram tempo para me dizer ..."que o Sampaio bem podia deixar os preconceitos e prestar uma homenagem pública à Rainha que foi a primeira a interessar-se pela luta que ele hoje diz que quer encabeçar!". Mas logo e bastante desanimadamente concluíram que ..."não, é impossível, eles são muito pequeninos, invejosos e mesquinhos. Falta-lhes grandeza"...
Uma vez mais, aquelas duas mulheres que recebem duas reformas miseráveis e dependem totalmente dos filhos e netos, têm razão em não crer em milagres. É a nossa sina.
Texto: Nuno Castelo-Branco
Fonte: Blogue Estado Sentido - http://estadosentido.blogs.sapo.pt/419274.html
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Nuno, bem haja pelo texto! Eu acredito em milagres! Não posso crer que depois deste nosso esforço e trabalho árduo que se tem feito, uns mais, outros menos, em prol da Monarquia, não iremos ter uma recompensa nem que seja no tempo dos nossos netos... a semente está lançada, é só esperar mais um pouco que ela germine! Força, Nuno!
1 comentário:
Obrigado pela gentileza, Augusta. Disponha sempre!
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