PORTUGAL ESTÁ NUMA SITUAÇÃO PREOCUPANTE!Afinal, a crise económica e social que se vive em Portugal, atinge apenas a classe média e os pobres ou…também chega às classes altas? A verdade é que os mercados de luxo em Portugal continuam a registar elevadas taxas de negócio. Por exemplo no Algarve o imobiliário está em alta, registando uma taxa de ocupação de 100 por cento. Segundo o Jornal de Notícias já não há vivendas e apartamentos para alugar em Vale do Lobo e Quinta do Lago, locais de luxo do Algarve onde passar uma semana de férias custa a módica quantia de 2500 euros. O negócio automóvel também não pára, sobretudo o de luxo, e as vendas em Portugal continuam ao mesmo nível de anos anteriores. Dom Duarte Pio de Bragança, Chefe da Casa Real Portuguesa, Mendo Castro Henriques, presidente da direcção do Instituto da Democracia Portuguesa (IDP) e Frederico de Carvalho, da direcção do mesmo Instituto, falam sobre a crise e se, afinal, ela chega aos ricos ou nem tanto.
D. Duarte de Bragança começa por dizer que Portugal «está numa situação preocupante porque seguimos o modelo errado de desenvolvimento».
«Estamos a destruir, por ano, milhares de hectares de terras agrícolas que são destruídas, sendo que a capacidade de produção alimentar diminuiu de ano para ano», explica, acrescentando que «as populações que abandonam as aldeias perderam a capacidade técnica de produção alimentar». Lamenta que, «para além de a comida escassear, o Pais está muito dependente do desperdício de energia». «A riqueza mais importante que um País tem é a sua terra agrícola e, essa, é irrecuperável, uma vez destruída jamais se recupera». A inconsciência, a irresponsabilidade e, sobretudo, a ignorância de quem nos tem dirigido levou a esta situação. Só nos últimos 10 anos perdemos 180 mil hectares de terras agrícolas em Portugal. Tem que haver uma resolução imediata dos problemas de alimentação e de segurança», alerta, lembrando que, a médio prazo, «o País tem que investir em formação profissional, técnica e a educação, em geral. Aí está também a raiz dos restantes problemas». «Se não tivéssemos tantos governantes incultos nas últimas décadas em Portugal não teríamos chegado à situação a que chegámos». Investiram em cimento, em estádios de futebol, em auto-estradas, em construções. «Se a democracia funcionasse perguntava-se à população o que eles queriam», conclui o chefe da Casa Real.
PRECISAMOS É RECONHECER NOVOS "PARADIGMAS ECONÓMICOS" Para Mendo Castro Henriques, Presidente da Direcção do Instituto da Democracia Portuguesa (IDP) «estamos a desperdiçar oportunidades e esforços». «A crise não é de falta de dinheiro mas de falta de orientação económica e politica sustentáveis».
1- Na sua opinião, a crise que afecta o País atinge a classe média, os pobres, e passa ao lado dos ricos?
No que se refere a comparações mundiais, a jornalista Catherine Denny resumiu bem: para um terço da população mundial, mais valia ser uma vaca. A realidade brutal é esta: uma vaca na Europa recebe 2 euros por dia através da PAC. No mundo (incluindo 20% da população dos EUA) existem 2 biliões de pessoas com menos de 2 euros por dia.No que se refere a Portugal o número mau é que em 2007 a taxa de endividamento das famílias atingiu 129%. Enquanto os ricos acedem ao mercado internacional, a classe média tem crédito cada vez mais caro, e os pobres dinheiro cada vez mais escasso. Em todo o caso, o problema da repartição dos rendimentos nunca é o decisivo. Quando Otelo Saraiva de Carvalho disse, em 1975, que a política portuguesa visava acabar com os ricos, Olof Palme respondeu-lhe: “Na Suécia, queremos acabar com os pobres”. Do que precisamos é reconhecer novos paradigmas económicos. A ortodoxia dos economistas manda-nos acreditar que o dinheiro faz girar o mundo. Com mais dinheiro, mais bem estar. Mais lucros na empresa, melhor. Quanto maior o PNB do país, melhor. Quanto maior o produto per capita, melhor. Quanto maior o índice das Bolsas, melhor. Contra este neo-liberalismo, é preciso afirmar que o dinheiro não é o elemento central da economia mas que deve estar ao serviço das necessidades de produção. A forma de descobrir o que acontece numa economia é separar entre os ciclos monetários, ou de pagamentos, ligados à venda de produtos básicos, os pagamentos ligados aos bens de produção, e os ligados à transferência de propriedade, num determinado intervalo de tempo. Quando isso é feito, descobrimos que a massa de dinheiro e as bolhas especulativas que circulam nos mercados financeiros internacionais, em crise, não têm impacto positivo no aumento dos bens de produção e estão a gerar uma crise no circuito dos bens de consumo, nomeadamente a habitação, que alastrou dos EUA para a Europa.
2. Como avalia esta crise? É meramente petrolífera, financeira e social?
Os problemas económicos não se resolvem apenas com soluções económicas. Organizamos a sociedade com a política e com medidas de segurança e defesa; orientamos a nossa vida com filosofias e doutrinas transmitidas pela vida cultural; aumentamos o conhecimento com a investigação científica e o desenvolvimento; mantemos a nossa memória com o património que construímos e preservamos; moderamos os conflitos e regulamos a equidade mediante os tribunais: protegemos e sustentamos a saúde com sistemas apropriados; e passamos esta herança cultural a novas gerações através do sistema educativo.É evidente que todas estas actividades têm dinâmicas próprias que devem ser incentivadas pela alta qualidade dos seus praticantes e dos seus serviços. Para isso, Portugal precisa de uma revolução cultural que dê mais poder a quem tem mais cultura e não a quem tem mais dinheiro. É desta revolução cultural que a democracia precisa para que o efectivo poder dos cidadãos não seja desperdiçado em jogos partidários numa república que, em 2009, está ameaçada de ser bloqueada por jogos de poder entre o presidente e o primeiro ministro, como se depreende do recente discurso de 31 de Julho.
3. Onde pode acabar? Estamos a viver uma coisa má?
As trocas redistributivas - de que os mercados financeiros são o exemplo mais substantivo - não afectam a produção nem a venda de produtos e serviços. São apenas uma mudança de propriedade, seja de acções, títulos, futuros, obrigações do Estado, etc. Não fazem parte do processo produtivo. A crise instalou-se nos mercados financeiros onde a posse de acções e de futuros se transfere instantaneamente, sem correspondência com a produção e consumo reais. Veja-se a Bolsa portuguesa. As acções das empresas cotadas caíram 25% desde Janeiro de 2008. E daí? A economia parou? Na troca redistributiva nada de novo se produz. Mas o que sucede aos ganhos nesses mercados é outra história. Podem ser usados para comprar bens básicos ou investidos em bens de produção. Mas para isso, é necessário que as pessoas tenham uma cultura de empreendedorismo para saber investir onde é necessário; que se associem para controlar não só a produção como a incorporação de mais valias e distribuição dos produtos. E é necessário que o Estado apoie investimentos de alavancagem, seleccionando como quer deixar o dinheiro do QREN e dos contribuintes em todas as regiões do país. A crise não é de falta de dinheiro mas de falta de orientação económica e politica sustentáveis.
4. Em relação ao País, estamos a caminhar para uma situação catastrófica?
Estamos a desperdiçar oportunidades e esforços. As famílias portuguesas querem cursos para os seus filhos, quaisquer que sejam, e pagam bem para os obter. Mas depois são surpreeendidas porque não existe mercado de trabalho adequado. E não existe porque o Estado não reformou o ensino para valorizar a formação fundamental – através da qualidade dos professores - e resultam cursos, programas e indivíduos desadaptados e sem qualidades de empreendedorismo. O agricultor português começa por produzir e só depois é que vai à procura de comprador para os seus produtos. As grandes superfícies, perante a vulnerabilidade do proprietário de produtos perecíveis, dizem-lhe: «Ou vendes os produtos ao preço a que eu quero ou fica tudo a apodrecer.» Assim se compreende a degradação da agricultura e, em compensação, a proliferação de Centros Comerciais. E os responsáveis pela Agricultura portuguesa não sabem o que andam por cá a fazer. A construção civil insiste nas grandes obras que nalguns casos têm retorno nacional – barragens, auto-estradas - mas nada deixam nas regiões onde são implantadas. Em vez disso, deveriam investir na renovação das ferrovias com bitola europeia, na navegação fluvial, na reabilitação urbana, na recuperação do património, com os olhos postos na regionalização da economia e não na drenagem desse grande interior do país que tem 50% do território mas apenas 20% da população e 10% do PIB, e continua em perda.
5. Quais são neste momento as urgências do País?
O país tem de, a curtíssimo prazo, saber investir em contra ciclo da crise internacional, como já fez noutras ocasiões históricas. Temos de funcionar como um país com 28 regiões naturais e 2 regiões autónomas e não como uma megaurbe litoral com umas “quintas” no interior. O dinheiro tem de ser injectado no ciclo dos bens de produção e de novas produções que estão à vista na agricultura, nas energias alternativas, nos meios de transporte adaptados ao fim da era do petróleo, etc. etc.Por exemplo: o incremento da produção agrícola tem de ser acompanhado de método claro de formação de preços, de incorporação de mais valias nos produtos e do controlo da distribuição com centros de venda, plataformas logísticas e fácil circulação rodo, marítima e ferroviária. Não basta produzir cerejas, maçãs, castanhas, pêras, figos, etc. como não basta produzir vinho e leite; é preciso organizar a qualidade e distribuição desses produtos com tecnologias inovadoras e transformá-los em sumos, doces, confeitarias, produtos de marca, sinais de cultura, enfim, com a ajuda da investigação científica e beneficiando o património e a cultura tradicional. Ao contrário do que é costume dizer, Portugal não tem um problema agrícola; Portugal tem um problema comercial para escoar os produtos riquíssimos da agricultura mediterrânica que pode produzir. O que vale para a agricultura, vale para os demais domínios. Os capitais que circulam nos mercados especulativos, onde entram e saem com muita facilidade, agarrando hoje os cereais, amanhã o petróleo, depois a água, têm de ser dirigidos, por entidades públicas e privadas, para uma economia regionalizada que é o verdadeiro nome que a regionalização deverá ter em Portugal. A seu tempo creio que alcançaremos um Pacto entre as forças políticas sobre Políticas Públicas dotadas de Eficiência, Equidade e Liberdade que viabilizem a independência que todo o português continua a desejar. É para isso que nós trabalhamos no Instituto da Democracia Portuguesa.
Entrevista por Ana Clara do Jornal "O Diabo" - 06.08.2008