O "Landau do Regicídio", o veículo onde seguia a família real, a 1 de Fevereiro de 1908, e no qual morreram o rei D. Carlos I e o príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, vai deixar, na terça-feira, o
Museu dos Cochespara ser deslocado para o
Paço Ducal de Vila Viçosa, onde vai ficar durante um ano.
A mudança resulta de um protocolo celebrado, em Abril de 2015, entre a Fundação Casa de Bragança e a Secretaria de Estado da Cultura que prevê, entre outros pontos, que o trágico landau passa a andar em itinerância anual entre o Museu Nacional dos Coches, em Belém, e o Palácio de Vila Viçosa, no Alentejo.
A deslocação está a levantar um coro de críticas dos especialistas. De acordo com duas cartas a que a Renascença teve acesso, dirigidas à directora do Museu dos Coches, há riscos de deterioração para o coche em causa.
A Associação Portuguesa de Atrelagem opõe-se à deslocação para Vila Viçosa por considerar que há falta de condições técnicas no palácio alentejano dos Bragança para assegurar a conservação do bem.
O vice presidente da Associação, José Folque Mendoça, diz à Renascença que "as condições que existem no novo Museu dos Coches foram criadas para proteger e dar longevidade não só às peças do século XVII e XVIII que lá estão, mas também às peças do século XIX que carecem de três vectores muito importantes - a temperatura, humidade e insectos xilófagos - e essas condições não são asseguradas nos espaços da Fundação Casa de Bragança".
Folque Mendoça sublinha que o Landau do Regicídio tem “um valor histórico” muito importante, "quer para monárquicos quer para republicanos” e também para a cidade de Lisboa, palco do regicídio.
Na carta dirigida à directora do Museu Nacional dos Coches, a Associação Portuguesa de Atrelagem sublinha que "a eventual deslocação, mesmo que periódica, para um local que historicamente muito pouco tem a ver com o referido veículo, não reunindo as melhores condições técnicas de temperatura, humidade etc, e com fraquíssima exposição ao público irá desvirtuar a mais importante colecção do mundo de veículos hipomóveis”
Da mesma opinião é um dos maiores especialistas mundiais na matéria. O francês Jean-Louis Libourel também escreveu à directora do museu a alertar para os riscos quanto à integridade do landau, peça de valor histórico ligado á cidade de Lisboa.
Causa Real diz que o landau é de Lisboa
Ouvidos pela Renascença, os monárquicos consideram que a itinerância comporta riscos. O presidente da Causa Real, António Sousa Cardoso, até admite que a deslocação entre os dois espaços expositivos poderia permitir “melhor acesso público”, mas sublinha que "estas peças são delicadas e precárias, têm condições de conservação muito específicas e singulares”, pelo que a itinerância "pode pôr em causa o próprio bem”.
"Se temos um Museu dos Coches, todas as pessoas que querem ver os coches ou um landau histórico como este é ao Museu dos Coches que vai", defende Sousa Cardoso, para quem o landau onde morreu D. Carlos "é um património principalmente de Lisboa e dos lisboetas.”
Vila Viçosa rebate críticas
Na origem desta polémica está um protocolo assinado em Abril de 2015 entre o então presidente da Fundação Casa de Bragança, Marcelo Rebelo de Sousa, e a Secretaria de Estado da Cultura, que prevê que Vila Viçosa fique com o landau ano sim, ano não.
O mesmo protocolo permitiu que o Paço Ducal passasse a ser responsável por cerca de 80 coches ali depositados. À Renascença, a directora do palácio de Vila Viçosa, Maria de Jesus Monge, indica que, nos últimos 30 anos, os coches que ali estiveram depositados estavam sob a responsabilidade de conservação do Museu Nacional dos Coches.
Maria de Jesus Monge lembra que "o landau esteve em Vila Viçosa desde os anos 80 até 2008, altura em que foi levado para Lisboa, para as comemorações do centenário do regicídio" e que "deveria ter voltado três meses depois para vila Viçosa", o que não aconteceu.
O Landau do Regicídio, que pertence à colecção do Palácio Nacional da Ajuda, ficou desde então no Museu Nacional dos Coches. Foi o primeiro coche a ser mudado das instalações do antigo picadeiro para o novo edifício do Museu Nacional dos Coches, em Belém.
Confrontada com as críticas às condições do Paço de Vila Viçosa, a directora garante que as infestações detectadas no edifício são tratadas. "É verdade que há humidade em Vila Viçosa, nos meses de frio. O frio não permite que se desenvolva o xilófago. Por outro lado, temos calor. Quando está calor, não há humidade e, pela mesma razão, não há xilófago", argumenta.
"Há um período, tanto no início da Primavera como no início do Outono, em que supervisionamos as colecções de forma diferente para garantir que não há infestações. De vez em quando, há “problemas, mas são imediatamente atacados", enfatiza.
Para Maria de Jesus Monge, o Palácio do Vila Viçosa, de onde partiu a família real antes do regicídio, é a “casa do rei D. Carlos” e, como tal, "é uma mais-valia para o Paço ter o landau do regicídio em exposição".