Não é fácil ser Presidente da República. Apesar de monárquico empedernido, por vezes dou comigo a ter pena do actual inquilino do Palácio de Belém. Ora é acusado de falar demais ora é acusado de não falar. Ora de dar cobertura ao Governo – foi-o durante o mandato do Partido Socialista e é-o durante o da coligação PSD/CDS – ora de fazer oposição, por críticas e por “escutas”. Ora de ser solidário com os governos legitimados pelo sufrágio dos cidadãos, ora por, criticando-os mais ou menos abertamente, ser uma nova força de bloqueio, do que ele acusou o então Presidente Mário Soares, quando era Primeiro-Ministro. É verdade que o economista que foi catapultado para a “suprema magistratura “ da república – designação que tanto agradava à nomenclatura da II República – tem uma tendência inata para falar quando devia estar calado e ficar calado quando devia intervir. E para dizer coisas impensáveis a qualquer pessoa de senso comum. Mas, coitado, as forças vivas do regime, ainda não se aperceberam que o que está errado não é o senhor A ou mesmo o B, mas as funções que lhes atribuíram, embora uns sejam mais talhados para as funções do que outros.
Os partidos que formam governo, em cada ocasião e sobretudo se o presidente é da mesma área ideológica ou da mesma casa política, vêem sempre no chefe da república, um potencial aliado e esperam dele apoio, defesa, aconchego, para as decisões mais polémicas e mais difíceis. As oposições vêem sempre no presidente, seja ou não da sua cor, uma forma de amplificar a oposição que fazem e, de preferência, fazer aquela que não fazem e deveriam fazer. Mas todos, forças no poder ou forças da oposição, querem à viva força que as palavras da Constituição que definem a sua magistratura, particularmente a sua independência face às forças políticas, sejam aplicadas a cada presidente, independentemente de saberem que quem é apoiado, senão mesmo proposto, por uma força política, ou provém de uma determinada área ideológica, nunca pode ser independente, porque tem uma visão da governação que não é compaginável com a de outras áreas e, mesmo não lhe competindo o poder executivo, tem poderes constitucionais, aliás lidos como consequência da sua perspectiva política pessoal e ideológica, suficientes para interferir a favor ou contra as políticas dos governos, subvertendo essa independência que se lhe quer impor e que, mesmo que a pessoa que ocupa a chefia da república pretenda exercer, nunca é verdadeira porque influenciada pela sua formação ideológica e sempre alvo da suspeição geral.
A crise económica e social que estamos a atravessar – esperando que a estejamos a atravessar e não a viver com carácter mais ou menos intemporal – é uma das melhores ocasiões para cotejar o papel da chefia do Estado em república e em monarquia. Porque, num momento como este que vivemos, em que cada decisão que o governo tome ou cada posição que as oposições assumam é fortemente contestada pelos seus contrários, é irrelevante que o Chefe do Estado, por mais que seja sabedor de economia e finanças, emita opiniões que terão a sua matriz ideológica ou actue contra a sua génese política. Quer-se um presidente que seja árbitro, quando ao mesmo tempo se pretende que arbitre vestindo a camisola de cada uma das equipas em confronto.
Se é verdade, que em termos de um pensamento ou de uma proposta de acção, o papel do Chefe do Estado não deve ser, nem pode ser, nos próprios termos constitucionais, determinante para resolver a crise profunda com que o País se debate, a verdade também é que o que se esperaria de quem está no vértice do Estado é que fosse uma figura institucional de unidade entre todos os portugueses em torno dos valores perenes que enformam a Nação Portuguesa, que prefigurasse a certeza da continuação da Pátria para além de crises conjunturais, que sendo todos os governos eleitos os governos do País, não lhe competindo derrubá-los e muito menos apoiá-los contra as oposições, mas ouvindo todos, usar as suas competências para fazer chegar a consensos ou ao menos ao diálogo democrático, que só pode beneficiar o País e a prossecução do bem comum nacional. Esse Chefe do Estado, que é também naturalmente, o chefe da Nação, é o Rei. E o Rei seria, neste momento de aflição colectiva, uma incomensurável mais-valia para todos nós.
Por isso tenho pena do Presidente da República. Deste concretamente e de qualquer outro que se debate com o facto, de que talvez nem se aperceba no seu republicanismo genético, de não passar de uma caricatura grotesca do rei.
João Mattos e Silva
* Nota: o texto publicado é da exclusiva responsabilidade do autor.
Texto publicado no Diário Digital a 16-Out-2012
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