Foi o único filho varão de Dom Miguel I e de sua consorte, Adelaide de Löwenstein-Wertheim-Rosenberg, e último pretendente ao trono português da linha de Dom Miguel. Renunciaria em favor do seu filho mais novo, Dom Duarte Nuno de Bragança, em Bronnbach, a 30 de Julho de 1920, a pedido de uma comissão de monárquicos, representante do Partido Legitimista e da Junta Central do Integralismo Lusitano. Com a morte do último Rei de Portugal, Dom Manuel II (derradeiro descendente de Dona Maria II), o diferendo entre liberais e legitimistas findaria naturalmente com a prevalência da linhagem de Dom Miguel na sucessão ao Trono de Portugal.
O artigo abaixo transcrito é um testemunho à memória de Dom Miguel II, filho de Dom Miguel I e Avô de Dom Duarte Pio de Bragança.
«Falar do Legitimismo — a abnegada e ferrenha teoria política que defendeu os direitos de D. Miguel I e seus descendentes ao trono português! — é encher-se-nos a alma duma indizível melancolia, duma inexplicável saudade!... Que intérmino cortejo de sombras, Deus do céu! Que infindável procissão de mortos!... O Legitimismo é, hoje, a alameda sombria dum enorme camposanto! É lá que encontraremos os grandes nomes desse desinteressado e nobilíssimo partido que os adversários alcunhavam de sebastianista mas ao qual sempre dedicaram respeito... Tudo desapareceu, arrastado pela asa fria da morte, até mesmo o próprio Legitimismo que já não é hoje precisamente o que era aqui há vinte anos: a mocidade que, após o advento do regime republicano, entendeu dever combater este, deu ao velho ideal bases novas, novas razões de ser, e até nome novo... O Legitimismo desse grande polemista injustamente esquecido que se chamou D. Jorge Eugênio de Locio e Seiblitz; dos poetas delicadíssimos que foram João de Lemos e Pereira da Cunha; dos partidários cheios de abnegação e carinho, como esse grande caracter que foi o dr. Ferreira Cardoso, esse Legitimismo pertence já à história das idéas políticas: é uma grande Sombra que, meia dúzia de outras sombras veneráveis, persiste em olhar, com o espírito perturbado pela saudadel... .Os partidários do antigo regime continuam, como sempre, dividos por uma barreira intransponível, que nos não cumpre criticar aqui... Mas, a batalha a que se dedicam perdeu num dos campos as determinantes antigas: se, de um lado, se defendem ainda os princípios vencedores em 1834, do outro já se não argumenta com a simples questão da legitimidade: vai-se muito mais longe e, a turba aguerrida e buliçosa que cerca o novo pretendente, não o defende porque ele seja o verdadeiro detentor dos, direitos a uma coroa, mas tão somente porque vê nele simbolisadas tendências políticas diametralmente opostas ao ideário liberal... O resto pertence ao passado, ao grande cortejo de nobilíssimas figuras, à triste e altiva Procissão dos Mortos...
Já D. Maria II — aquela soberana portuguesa que os legitimistas — teimosa mas respeitosamente — chamavam «a Senhora Dona Maria da Glória, Princesa do Grão Pará» — já ela, impressionada pela extrema correcção dos adversários da sua realeza, declarava fácil conhecer os legitimistas : «Os partidários de meu tio são todos aqueles que me tiram o chapéu quando me vêem!...» Com efeito, entre nós, gente meridional, afeita às grandes truculências da frase e do gesto, nunca houvera quem com tamanha gentileza e aprumo soubesse discutir e guerrear. Na história do Legitimismo, aquele Padre José Agostinho de Macedo, tão vernáculo e malcriado, ou aquele façanhudo abade de Rebordosa, Alvito Buela Pereira de Miranda que, nos tempos do Senhor Dom Miguel, pedia clamorosamente a cabeça dos liberais e, depois, em 34, se passava ruidosamente para os seus adversários, esses polemistas constituiram excepções desaprovadas pelo Legitimismo, que só aproveitou do primeiro o aprimorado amor pela pátria linguagem...
Podemo-lo dizer afoitamente — é a história dos últimos cem anos que no-lo conta com exhuberância! — os Reis do período liberal só foram insultados — e com que ferina crueldade e rematada injustiça! — pelos seus próprios partidários!... Mas a luzida cohorte de nobres e plebeus que ao serviço do Rei Exilado punha vida, esforço e haveres, essa gente de primeira escolha calçava sempre luva branca se discutia com um adversário e Deus sabe com que aprumo, convicção inabalável e respeitosa delicadeza o faziam! As tradições dessa pleiada — que se pode considerar quasi desaparecida ! — eram uma fidalguia de processos, unia firmeza de idéas e uma abnegação extremada em favor de uma causa da qual nada podiam esperar... Maior, portanto, a beleza do seu gesto e da sua vida! E os adversários, embora sorrindo daquilo a que chamavam «o último sebastianismo», nunca deixaram de prestar justiça à abnegação, à cortezia e lhaneza do partido do Exilado... Ainda há hoje quem se lembre — e com quanta saudade, meu Deus! — do que foram Fernando Pedroso — aquele dedicado jornalista do Legitimismo que a verde irreverência de Ramalho alcunhara de o «sr. Fernando Todo Poderoso»! — do poeta João de Lemos, um dos primeiros que tivemos no período tumultuoso do Romantismo; dos dois Pereira da Cunha, senhores do solar de Portuzelos em terras do Minho e um dos quais, Sebastião Pereira da Cunha, foi o escritor ilustre de A Cidade Vermelha e O Saio de Malha; de Dom Jorge Eugénio de Locio e Seiblitz, o temível mas correctíssimo e impecável polemista que, nas colunas de A Nação, deixou ficar vencidos três inimigos da Legitimidade : — Martens Ferrão, Tomás Ribeiro e Mendes Leal! — dos condes de Almada e Arvanches, D. Miguel e D. Antão, tão nobres, tão dedicados e tão generosos! Dos condes do Sampaio, de São Martinho, da Redinha — cujo lar era um modelo de virtudes cristãs e de caridade, não havendo pobreza (fosse ela branca, vermelha ou azul e branca!) que os dois esposos não socorressem! — de Lucas Castelo; de D. Sancho Manuel de Vilhena, um gentil homem e um erudito que mereceu, a adversários como Alexandre Herculano, os maiores elogios pelo seu valor moral e pela sua sciência; e tantos outros, que à causa do Exilado devotaram uma existência inteira, sem um instante de tergiversação, sem um desfalecimento de convicções!...
Ser-se legitimista era, por esses tempos idos, a melhor garantia de pureza de costumes e de portuguesismo: os legitimistas eram os católicos fervorosos, os adeptos do poder temporal dos Papas — e quantos estiveram em Roma ao lado do Senhor D. Miguel II, como zuavos pontifícios na luta contra as revolucionárias camisolas vermelhas dos garibaldinos! — eram os apóstolos da santidade do lar e das grandes tradições lusitanas... O Legitimismo — todos o reconheceram, desde Teixeira de Vasconcelos até aos republicanos de hoje! — foi o mais abnegado e mais nobre de quantos partidos surgiram nesta soalheira e florida terra de partidos e partidários...
Morto porém Dom Miguel I em Carlsruhe, perto da sua adoptiva Bronnbach, aos sessenta e quatro anos de idade, e trinta e dois de exílio, em consequência de uma inesperada paralisia pulmonar, o país inteiro vibrou de intensa comoção; o luto estendeu-se por toda a terra lusitana, desde as casas senhoriais dos fidalgos de velha estirpe que acaudilhavam o régio exilado, até à gente humilde do povo, grande parte da qual o amara entranhadamente e lhe permanecera fiel, lembrada de quando o seu vulto formosissimo, varonil e português, cavalgara pelas ruas da Lisbóa de então e se chegava de preferência ao povo, com o qual gostava de privar, sem perder uma linha do seu aprumo e elegância reais... Nunca houve em terras de Portugal um ser que tão sufragado fosse: certo legitimista meu amigo, ferrenho e dedicado à sua causa, — o pobre Costa Afonso que a morte sumiu para sempre, haverá uns quatro anos! — contava-me que as exéquias solenes, celebradas na paroquial da Graça — esta freguesia, com a de S. Vicente e a dos Anjos, eram o poiso tavonto e costumeiro da gente do Senhor Dom Miguel! — haviam surpreendido toda Lisboa pela pompa extraordinária, pela concorrência espantosa que enchia a velha igreja dos frades gracianos e se estendia como uma formidável multidão lutuosa pelas circunvisinhanças... De norte a sul, o luto e a saudade exteriorisavam-se em centenas e centenas de sufrágios, em artigos sobre artigos exalçando as virtudes de um moço que, aos trinta e dois anos, Evora-Monte enviava para o exílio de onde nunca mais havia de regressar... A imprensa,— mesmo aquela que mais adversa fora das idéas legitimistas — curvava-se cheia de respeito perante a morte de Dom Miguel I, e o liberalissimo Pinheiro Chagas, num artigo que ficou célebre pelo sentimento e pela isenção, celebrava a constância e a resignada nobreza com que o vencido de 34 sofrera o seu grande infortúnio, — tão lacerado de privações, de miséria e de saudades! — sem nunca se arredar, nem um ápice, das idéas que defendera de armas na mão, e as quais acreditava como únicas verdadeiras e santas... Desde esse momento — 14 de Novembro de 1864, há quási sessenta e três anos Senhor! — as atenções voltaram-se para o filho do Exilado, como este e sua família, ferido também pela proscrição... Era um rapazito de treze anos, calmo e triste, cônscio já do enorme encargo que sobre ele ficara pesando; um mocito que nascera sobre terra de Portugal, de cá levada propositadamente pelos fieis partidários do seu pai, e para cujo baptismo de cá fora também a água lustral, ida da matriz de Guimarães aonde Afonso Henriques fora baptisado!
Dominava-o a sede do portuguesismo, o amor acendrado pelas sciências nas quais veio a doutorar-se na Universidade de Innsbruck. Seu preceptor, aquele venerando modelo de honradez e dedicação que foi o dr. António Joaquim Ribeiro Gomes de Abreu — e o qual a intervenção de Costa Cabral livrara de ficar para sempre riscado da nossa Universidade! — incutira-lhe idéas de nobreza e patriotismo que, possivelmente, neste desabar tristissimo da vida portuguesa, não serão talvez compreendidas!... Assim se formou o caracter do novo pretendente para o qual os legitimistas passaram toda a adoração que tinham pelo pai. E, valha a verdade; aquele a quem de ali em diante, os seus partidários começavam chamando o Senhor Dom Miguel II, não desmentia as qualidades que o seu régio progenitor e sua santa mãe lhe haviam transmitido. A vida inteira do morto de agora foi um modelo de coerência, de honradez e de virtudes cristãs... Com dezassete anos apenas, apresentava-se a Pio IX, vestido de zuavo pontifício, pronto a verter o seu sangue em defeza da causa temporal dos Papas, ameaçada e depois vencida, na brecha da Porta Pia, quando por esta entraram de roldão as camisas vermelhas de Garibaldi... Então, a sua vida reparte-se entre a sua carreira de militar e os cuidados extremosos da sua família, o amor da sua causa sem esperança e os extremos pela pátria de que o baniam as leis. A sua vida, exemplarissima, conhecem-a Deus — a quem há dias prestou contas — e todos quantos seguiam com enlevo as manifestações do seu aprimorado carácter. Não há nela uma só mancha; é a vida de um homem de bem, cultíssimo e portuguesissimo. Ódios não os tinha, a lama jamais o salpicou. Possivelmente teria, a ferirem-lhe os ouvidos sempre, as palavras, ensopadas de lágrimas, que sua mãe — a Santa Princesa que depois se recolheu a um convento da Ilha de Wight — lhe disse ao receber em 1864 a deputação legitimista que de aqui fora prestar as últimas homenagens a Dom Miguel I:— «Meu querido Filho, lembra-te de que a vida passa como o fumo... Teu Pai estava bom num dia e, no seguinte desapareceu. A vida é um sonho e tu também hás de desaparecer!.. Mas, quando a Morte se aproximar, só te há de lembrar se cumpriste ou não os teus deveres!... E lembra-te sempre de que tua Mãe, como se estivesse deante de Deus, e na presença destes portugueses, te diz que prefere ver-te viver e morrer pobre a deslisares uma só linha da estrada que seguiu teu heróico Pai — que o seu único pensamento era Portugal!...» E pode dizer-se que os conselhos de sua formosíssima e desventurada mãe, aquela suave Princesa de Loewenstein-Wertheim von Rosenberg, Dona Sofia Adelaide Amélia, foram integralmente seguidos. A desgraça — que a ele o feriu cruelmente, como a seu pai — encontrou-o sempre firme, as lágrimas nos olhos, Deus nos lábios e no coração. Era um português antigo, um representante legitimo de Reis e de um regime banido, que não sabia ter ódio por ninguém, fosse ele liberal ou republicano... Nunca ninguém teve motivo para se queixar dele: o seu coração abria-se a todos os portugueses... Coronel do exército austríaco, quando Portugal se pôs ao lado dos inimigos da Alemanha, o Senhor Dom Miguel de Bragança, embora a Áustria não estivesse em guerra connosco, passou da arma de cavalaria de que fazia parte para a milícia dos que, nos campos da pugna gigantesca, sob um inferno de metralha feroz, arriscam a vida para salvar o seu semelhante, amigo ou inimigo: — a Cruz Vermelha...
Era assim o seu carácter diamantino, era assim que ele entendia a qualidade de que tanto se orgulhava: — ser português. longe do herdeiro do seu nome, que o amor levara a romper com os preconceitos de raça; afastado para sempre do filho segundo, o Príncipe Dom Francisco José — morto como um herói durante a Grande Guerra e antes da nossa participação nela, — o filho do Exilado continuou, como sempre, fiel aos seus mortos e aos seus três grandes amores: — Deus, a sua Pátria e a sua Família. Nem a miséria que o salteou nos últimos anos da vida, nem as privações d'ela resultantes e o cortejo de angústias que se lhe seguiu, abateram o seu carácter de diamante sem jaça: permanecem como sua mãe lhe indicara, há sessenta e três anos quási, perante o cadáver do pai...... E possivelmente, na hora extrema, ao escutar e repetir as orações dos agonisantes, rodeado pela nobilíssima cohorte de Sombras dos que a morte ceifara entre os seus fieis e dedicados amigos, possivelmente ainda, nessa hora tremenda e saudosa ele se lembrou da terra dos seus maiores e misturou aos soluços do Memorare e do Sub tuum Presidium o nome querido de Portugal, o nome que magicamente nos põe a todos de acordo, olhos marejados de lágrimas, coração batendo de amor puríssimo, de mil vezes sagrado amor!...... Fechou-se a grande alameda do camposanto imenso que é o Legitimismo!... Desce para o túmulo a última Sombra... Que a morte nos reconcilie a todos e nos não impeça de reconhecer o quilate finíssimo das virtudes de Proscripto!... Morreu um grande homem de bem, um português que sempre o soube ser... Paira no ar o tom amarelecido das folhas mortas, o perfume inconfundível de uma saudosa e imensa melancolia... É o Passado que se fecha... O que nos trará o futuro?...... Inclinemo-nos todos, adversários e amigos do filho do vencido de Evora-Monte!... E, levados pelo gesto arripiante da Morte, beijemos a mão do português cujo exílio de setenta e quatro anos ela, a Eterna Vencedora, por mandado de Deus finalmente quebrou...»
ÁLVARO MAIA, in ILUSTRAÇÃO nº 45 (2º ano) de 1 de Novembro de 1927.
Fonte: http://monarquia.webnode.pt
Vou publicar!
ResponderEliminarEspero que tenha tido umas excelentes férias com um merecido descanso! Bjinhos