segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A PRESENÇA OU A AUSÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO NA POLÍTICA
I. Até ao Século XIX o critério que definia os bons governos nos países da Cristandade inspirava-se em Santo Agostinho e noutros doutores da Igreja.
Quando o Norte de África fazia parte do Império Romano e era terra cristã, aquele que viria a ser conhecido como Santo Agostinho perguntava; “qual a diferença entre um Governo e um bando de ladrões?” O bando de ladrões até poderia governar um país a contento da maioria da população, dizia ele, mas o seu objectivo é o enriquecimento pessoal dos seus membros…Um Governo, para o ser, tem de ter como objectivo o progresso espiritual e material do povo.
Na nossa época o critério parece basear-se no seu nível de democraticidade, mais do que na sua honestidade e competência. Mas quando se avaliam governos de Estados considerados exteriores ao quadro do nosso padrão cultural e civilizacional, são-lhes concedidos grandes descontos, como se fosse admissível que esses povos sejam governados fora de padrões éticos mínimos, desde que eleitos de modo (aparentemente) democrático…
Sob esse critério as monarquias contemporâneas parecem sofrer de um pecado original: o Rei não é eleito, e isso é considerado vergonhoso, por mais democráticas e eficientes que sejam as suas instituições …

II. Recentemente ouvi os chefes do Governo da Suécia, da Dinamarca e da Holanda fazerem os maiores elogios aos respectivos soberanos, mas afirmando que as suas convicções eram republicanas. “ No entanto a nossa Rainha é a melhor defensora da nossa República “, dizia e Primeiro Ministro da Holanda. E o seu homólogo Sueco disse, na festa dos sessenta anos do Rei: “ “com o nosso Rei e sua Família, a alternativa republicana fica no congelador “. Não disse que em todas as sondagens, 80 % dos suecos apoiam a Monarquia
Por outro lado em todas as monarquias democráticas contemporâneas é possível mudar a forma de chefia de estado por um referendo popular (como recentemente foi tentado na Austrália) ou mesmo substituir o rei, o que as torna mais democráticas do que os regimes republicanos, que impossibilitam esse tipo de consultas.

III. Em culturas não europeias, a função sagrada do Rei é assumida com naturalidade, e não só no mundo islâmico. No Japão, por exemplo, o Imperador assume uma missão sacerdotal, tal como, de resto, sucede noutros pontos da mesma geografia. Essa dimensão sagrada existe também de um modo mais subtil na maioria das monarquias europeias e é visível quando das cerimónias de coroação ou sagração.
O Rei é de certo modo um sacerdote que tem o dever de conduzir o seu Povo no caminho da justiça e do progresso moral e material e para tal invoca a ajuda de Deus.
Após a Reforma as monarquias que aderiram ao protestantismo passaram a afirmar que o “ Direito Divino dos reis “ permitia-lhes orientar as suas nações como achassem melhor, inclusive sob o ponto de vista teológico. Esta foi uma interpretação oportunista da doutrina da “ origem Divina de todo o poder, que na Cristandade encontrou o seu primeiro fundamento na pregação de S. Paulo (“omnis potestas a Deo”).“…

IV. Em 1282 o nosso bom Rei Dom Diniz casou-se com a bela e virtuosa Isabel de Aragão. Esta Princesa, hoje canonizada, introduziu em Portugal uma devoção muito especial ao Divino Espírito Santo, que ainda hoje marca a piedade popular e o pensamento erudito contemporâneo, na linha do Padre António Vieira, grande apóstolo dos índios e dos negros no Brasil, e do escritor e poeta Fernando Pessoa, ambos símbolos maiores da Língua Portuguesa e, mais do que isso, criadores e seguidores da verdadeira missão de Portugal no mundo, na esteira, aliás, do entendimento da própria Coroa.
Na verdade, tornou-se uma “doutrina particular “ da Casa Real Portuguesa a convicção de que a missão de Portugal era a preparação do Mundo para o Império do Espírito Santo, a terceira época da humanidade, (após os tempos de Deus Pai e do Filho), também conhecida como “ Quinto Império “.
Essa época de fraternidade universal, na qual todos os governantes se deixariam conduzir pelo Paráclito, surgiria após o fim do Império político português que a tinha preparado.
Curiosamente no nosso último “território do ultramar “, Timor Leste, após 30 anos de ocupação indonésia, a cerimónia de independência foi celebrada no Domingo de Pentecostes.

V. Resulta para mim impossível tratar deste tema sem me inspirar e sustentar no melhor livro de filosofia política publicado recentemente, o qual se intitula « Europa, Os seus fundamentos hoje e amanhã» O seu autor foi, para ventura de todos, chamado pelo Divino Espírito Santo para ser o nosso Santo Padre.
Nessa obra, superlativa sob todos os ângulos, o então Cardeal Joseph Ratzinguer define magistralmente o dilema entre política cristã e teocracia:
Fazendo uso das próprias palavras do Autor: «A Fé cristã - seguindo o caminho aberto por Jesus – baniu a ideia da teocracia politica. Dito em termos modernos, ela promoveu a laicidade do Estado em que os cristãos convivem em liberdade com aqueles que têm outras convicções, unidos pela comum responsabilidade moral fundada na natureza humana, sobre a natureza da justiça. Deste modo, estabelece-se a distinção entre a Fé cristã e o Reino de Deus, que não existe e não pode existir neste mundo como realidade política, mas se torna presente através da Fé, da Esperança e da Caridade e é chamado a transformar o mundo a partir de dentro.”
E mais ensina este grande Mestre:
“Neste sentido, o Estado laico é resultado da opção cristã original, embora tenha precisado de longos esforços para compreenderem todas as suas consequências. Pela sua natureza, este carácter secular, “laico”, do Estado inclui aquele equilíbrio entre razão e religião (….).
Aliás, ele opõe-se ao laicismo como ideologia que, por assim dizer, gostaria de edificar um Estado da razão pura, separado de toda a raiz histórica e que, portanto, só poderá reconhecer os fundamentos morais evidentes para toda a razão. E de tal maneira que, no fim, só lhe resta o critério positivista do princípio maioritário, cuja consequência é o declínio de um direito governado pela estatística. (……)
Um Estado laico pode e, até, deve apoiar-se nas raízes morais inspiradoras que o constituíram; pode e deve reconhecer os valores fundamentais sem os quais não teria nascido nem poderia sobreviver. Não pode existir um estado da razão abstracta e a- histórica.
Na prática, isto significa que nós, cristãos, devemos empenhar-nos, juntamente com todos os nossos concidadãos, por que as bases morais do direito e da justiça se inspirem nas convicções cristãs fundamentais, de modo que o individuo não só as veja fundamentadas, mas também as relacione com toda a sua concepção de vida. Mas, para que essas convicções racionais comuns se tornem possíveis, para que a “recta razão” não se desabitue de discernir, é importante que vivamos a nossa herança, com força e em toda a sua pureza, a fim de que ela seja visível e actuante, com a sua força íntima de persuasão, na sociedade inteira».Peço desculpa da longa citação – mas há coisas que quando são ditas de um modo tão claro só podem resultar diminuídas se terceiros tentarem explicá-las mediante diferentes estilos.

VI. As ideologias totalitárias do Século XX eram todas, sem excepção – e certamente que não por mero acaso - republicanas . Embora algumas se confrontassem entre si, como pólos de sinal contrário, algo de comum as unia: a promessa feita aos respectivos povos e ao mundo inteiro da construção de um mundo livre e justo. Que sob a invocação de tal desígnio se tenha perpetrado uma hecatombe de vítimas, aos olhos de muitos, ainda hoje, não parece factor suficientemente dissuasor…
Na História tudo acaba por se repetir, afinal o mesmo acontecera já com a Revolução Francesa, que numa primeira fase perseguiu ferozmente a Igreja no próprio país, para depois exportar a sua ideologia com os exércitos de Napoleão, que destruíram milhões de vidas.
Mas também há, por outro lado, um fenómeno histórico que merece a nossa atenção:
Quando procuramos chefes de estado que possam ser dados como verdadeiros exemplos de generosa dedicação aos seus povos, geralmente só nos lembramos de nomes de Reis, como o Santo Imperador Carlos de Habsburgo ou o Rei Balduíno da Bélgica, em tempos recentes.
Os Reis geralmente reflectem os valores da sua época. Na Idade Média eram guerreiros que conduziam os seus exércitos à batalha. Na Renascença promoviam o progresso das ciências e artes, e para acelerar o progresso reduziram as liberdades políticas.
E na nossa época, qual é o valor mais sagrado? A Democracia…
Por isso os Reis são os seus grandes defensores, e os príncipes fazem casamentos muito democráticos (ainda que, por vezes, reconheça-se, nem sempre de acordo com o que o bom – senso exigiria…).

VII. Em todas as épocas os Reis e Rainhas caíram nos pecados próprios da fraqueza humana, mas eram corrigidos pela Igreja, à qual deviam respeito. Este foi o motivo do cisma de Henrique VIII de Inglaterra.
Mas o que me causa admiração é que mesmo na nossa época, com todos os seus problemas morais, e as doutrinas muito liberais das Igrejas Separadas da nossa, todos os Soberanos europeus reinantes parecem usufruir da Graça de Estado, que lhes permite desempenhar com amor e qualidade a sua missão.
Conheço-os pessoalmente a todos e estou convencido que eles pedem ao Espírito Santo a graça de saberem desempenhar bem a sua missão. Será que os presidentes das repúblicas também pedem a ajuda de Deus?
Alguns certamente o farão e terão consciência que, ”todo o poder provem de Deus”. Mas haverá algum que o admita?
Nas Américas tivemos o presidente mártir Garcia Moreno, do Equador, e ignoro se mais algum… Na Europa, em geral mesmo os que são cristãos praticantes, acham que devem esconder a sua Fé para não ofender não se sabe bem a quem…
Do que se trata afinal, é de repetir o ensinamento medieval: “Non nobis, Domine, non nobis, sed nomini tuo da gloriam”.

VIII. Como graça “politicamente incorrecta”, poderíamos dizer que o primeiro republicano foi Lúcifer, o que tentou derrubar o Rei do Céu, provavelmente com a intenção de estabelecer uma república de anjos revolucionários…

Dom Duarte de Bragança

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Este discurso de S.A.R., Dom Duarte foi proferido no dia 4 de Outubro de 2008 quando foi convidado a visitar Roma/Vaticano onde participou na Conferência sobre "As raízes Cristãs da Europa e o papel das Monarquias". Já foi publicado no jornal "A União" dos Açores em 17 de Junho de 2009.

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